Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

O Deus das mulheres: a fé e a luta das evangélicas

Vozes que não se calam. Vozes que insistem em gritar na luta e garantia dos direitos, escreve Angélica Tostes

Foto: Janine Moraes/The Tricontinental
Apoie Siga-nos no

Março é o mês em que a pauta dos direitos das mulheres fica mais evidente. E, durante todo esse mês, e para além dele, em algum lugar do mundo – em muitos -, neste exato momento, alguma mulher ora.

Com velas, incenso, cruzes, imagens, santos e santas, em silêncio, com música, mantra. Deitada na cama, ajoelhada no chão. Juntas, todas, oram. Como um companheiro do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), Tobias Pereira, sempre diz: a oração é a análise de conjuntura que precisamos estar atentos e atentas. Isto porque é na oração que as preocupações aparecem e, muitas delas, estão enraizadas na desigualdade social e nos abismos de classe que tem se expandido no contexto pandêmico: pão à mesa, filhos e filhas que voltam em casa são e salvos, busca de emprego, saídas frente à violência doméstica, segurança, acesso a saúde…

Enquanto o Estado dispara balas que encontram crianças em escolas, dentro de seus lares, brincando na rua, orar é a tentativa de se proteger com palavras quando as mãos já não conseguem.

A espiritualidade sempre esteve presente no cotidiano das mulheres na América Latina. E essa experiência de fé é entranhada com esse cotidiano de lutas e sonhos. Mulheres que encontraram na religiosidade possibilidades de negociar, subverter e transgredir as imposições coloniais sobre a fé.

Como diria a teóloga Nancy Cardoso, ouvir as mulheres religiosas é imprescindível para a construção de uma América Latina feminista. Pois são essas mulheres que formam a classe trabalhadora empobrecida, que luta por sobrevivência, que luta por um auxílio emergencial e clama a seu Deus que a ajude. Mulheres que trabalham sendo donas de casa, um trabalho de cuidado e invisível e que em tempos de pandemia se agravou ainda mais com a sobrecarga de trabalho, surgimento da fome e precariedade da vida.

Ao ouvir e acolher as mulheres evangélicas, encontramos as dores, as lágrimas que surgem frente às injustiças, os milagres e testemunhos de vitória de um emprego conquistado, de uma cura improvável, e inúmeras potencialidades que não imaginaríamos, como o Coletivo Zaurildas que trouxe quinze vozes de mulheres negras evangélicas em cartas potentes de protesto e ousadia, no livro “Vozes Que Não Se Calam: Cartas de um evangelho brasileiro, feminino e negro”.

Mulheres que, por meio da sua fé evangélica, questionam e propõem inúmeras ações de mudança. No posfácio do livro, Aloá Dandara, Isabella Souza e Pétala Souza escrevem: “ Nós, como mulheres negras dentro de uma família de tradição evangélica, ouvimos e vimos muitas narrativas da nossa avó (que empresta seu nome ao coletivo zaurildas) de experiências de fé para além do evangelho colonizador e patriarcal.”

Vozes que não se calam. Vozes que insistem em gritar na luta e garantia dos direitos. Mulheres evangélicas que se engajaram na luta pela terra por meio do Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra. Mulheres evangélicas que constroem o movimento atuando nos núcleos de base, sendo dirigentes e cultivando o solo para a diversidade, produzindo alimentos saudáveis e orgânicos para todas e todos. Como esse encontro se dá? Qual as potencialidades e contradições? Ouvimos essas mulheres, a partir do primeiro Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra em 2020, e estamos construindo essas reflexões no conjunto de textos que serão publicados pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. A primeira parte já encontra-se disponível: “Quando a fé encontra a luta: as vozes das mulheres evangélicas do MST”.

Como a companheira Maria Lurdes partilhou: “Eu acredito que Deus me ajudou, através do MST, a conquistar minha terra”. Independente da crença, para essas mulheres, o acreditar em Deus é a energia motriz para a luta, para buscar melhorias de vida.

Os fundamentalismos buscam silenciar essas vozes e as colarem em um lugar de subordinação, mas o Deus das mulheres é outro, como diria a teóloga Ivone Gebara, o “Deus das mulheres é misturado ao cotidiano mais simples de nossas vidas (…) Deus se mistura aos nossos pedidos e lamentos, às nossas alegrias momentâneas e das pequenas e grandes esperanças que nutrimos. Deus é palavra-grito, palavra-suspiro, palavra-sonho, palavra-ira, palavra-esperança” (Mulheres, Religião e Poder, 2017)

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo