Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

Nós, homens religiosos, devemos combater o machismo nas comunidades de fé

As religiões têm um papel fundamental no combate a todo tipo de violência contra as mulheres

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“Bem-aventuradas as pobres de espírito, porque delas é o reino dos céus;

Bem-aventuradas as que choram, porque elas serão consoladas;

Bem-aventuradas as mansas, porque elas herdarão a terra;

Bem-aventuradas as que têm fome e sede de justiça, porque elas serão fartas;

Bem-aventuradas as misericordiosas, porque elas alcançarão misericórdia;

Bem-aventuradas as puras de coração, porque elas verão a Deus;

Bem-aventuradas as pacificadoras, porque elas serão chamadas filhas de Deus;

Bem-aventuradas as que sofrem perseguição por causa da justiça,

porque delas é o reino dos céus;

Bem-aventuradas sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem,

e mentindo, falarem todo mal contra vós por minha causa.

Mateus 5:3–11

Com repulsa, temos assistido nos últimos dias os desdobramentos do caso do deputado paulistano que disse que mulheres – vítimas de guerra e em geral as principais prejudicadas em conflitos como esses da Ucrânia – são “fáceis porque são pobres”.

A pressão de grupos feministas, de defesa dos direitos humanos e da sociedade civil organizada foi tanta que obrigou seu partido, além de parlamentares, pedirem sua expulsão da sigla e eventual cassação de seu mandato.

Embora muitos já saibam da minha profunda tristeza com os rumos que o movimento espírita vem tomando, inclusive no campo que convencionamos chamar de progressista, eu ainda sou esperançoso e, como diz Paulo Freire, “não sou esperançoso por pura teimosia, mas por imperativo existencial e histórico”. E é essa esperança que me motiva dialogar com outros homens – religiosos como eu – sobre o combate ao machismo, sexismo e misoginia não só nesta semana que lembramos a luta de tantas mulheres, cis e trans, mas em todos os outros dias.

Aprendi desde criança, por meio de uma educação matriarcal e com base em um evangelho genuíno, a respeitar as mulheres. Talvez por isso me gerou tanta ojeriza a declaração do deputado machista, misógino, sexista e xenofóbico (ódio pelo estrangeiro).

Em um momento de tamanha fragilidade das mulheres em situação de deslocamento forçado e refúgio, vê-las como objeto sexual é muito desprezível. Mas, infelizmente, o machismo não é uma chaga apenas da direita conservadora e intolerante. Há muito o que se fazer e debater no campo progressista e das esquerdas também. Só que esse tema, que precisa ser aprofundando, trataremos em outro texto.

Assédio, violência doméstica, feminicídio, cultura do estupro, machismo. São as várias nuances da violência de gênero que atinge centenas de mulheres diariamente e de diversas formas. Ela perpetua-se na sociedade e constrói um mundo cada vez mais perigoso para as mulheres.

Em 2015, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontava que a cada 11 minutos uma mulher era estuprada no Brasil. Já em 2020, a cada 8 minutos uma mulher é vítima de violência sexual.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, 84,1% dos casos de estupro e abuso sexual são praticados por parentes ou conhecidos da vítima. Só em 2019 foram registrados 66.123 boletins de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável nas delegacias de polícia. A pesquisa também pontua que 57,9% das vítimas tinham no máximo 13 anos de idade, 18,7% das vítimas tinham entre 5 e 9 anos e 11,2% eram bebês de zero até 4 anos de idade.

Só nos primeiro seis meses de 2021, quatro mulheres foram mortas por dia no Brasil por um atual ou ex-parceiro, totalizando 666 vítimas de feminicídio de janeiro a junho, de acordo com dados de um levantamento inédito do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A diretora-executiva do Fórum, Samira Bueno, acredita que a violência de gênero tem proporções epidêmicas, mas foi naturalizada socialmente.

Em muitos casos dessas violências há um modus operandique já havíamos mencionado em artigos anteriores – de homens violadores, com prestígio e status social, boas relações e certeza da impunidade.

Alguns desses violadores são portadores de um egocentrismo exacerbado, que leva a uma desconsideração em relação aos sentimentos e opiniões das outras pessoas e, em geral, não têm apego aos valores morais (embora vivam deles).

Por isso, a declaração do deputado (e de quem o defende) é tão perigosa!

As religiões e os espaços de fé têm um papel fundamental no combate a todo tipo de violência contra as mulheres e nós homens religiosos precisamos assumir essa tarefa como um princípio, reprimindo, desde piadas machistas nos grupos de WhatsApp até importunação às mulheres nas ruas.

Não pode ser aceitável, nem mesmo relativizado, qualquer tipo de violência de gênero, tampouco aquelas que se utilizam de retórica religiosa com apelo a escrituras sagradas como justificativas para a opressão, exclusão e segregação

Como espíritas, reafirmamos a nossa fé segundo o Evangelho de Cristo e não compactuamos com as mesmas práticas dos que o violentaram, torturaram e crucificaram.

O que mais precisa acontecer para que o movimento espírita tradicional brasileiro, que se preocupa mais com o combate ao “comunismo” e a “ideologia de gênero”, venha a público ajudar no combate a toda violação dos direitos das mulheres? Repudiando qualquer tipo de violência, principalmente aquela que se utiliza da fé, da fragilidade espiritual, da confiança e da posição social para silenciar, violentar, humilhar e estigmatizar.

Assim como outros problemas sociais, as violências contra as mulheres devem ser debatidas dentro dos centros espiritas. Mais do que isso, há de se fundar grupos de apoio para aquelas mulheres que são vítimas e que precisam de ajuda para romper com esse ciclo cruel, criando espaços de acolhimento, amorosidade, resgate e vivência integral da fé, cuidando para que mulheres não tenham mais que passar por isso.

Nós, homens religiosos, temos o dever moral, sagrado e ético de fazer cessar qualquer tipo de violência contra as mulheres, seja ela física, psicologia, simbólica ou sexual, além de desconstruir e desmitificar os ensinamentos de textos religiosos baseados em um machismo estrutural que possam ser interpretados como fomentadores de violência baseada no gênero.

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