Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

Negras evangélicas se reúnem para debater racismo ambiental

Essas mulheres vivem em situação de vulnerabilidade geográfica, são as que têm menos acesso à segurança alimentar e, sobretudo, têm menos acesso ao saneamento básico

Foto: Divulgação
Apoie Siga-nos no

Nos dias 4, 5 e 6 de agosto, a Rede de Mulheres Negras Evangélicas reuniu-se com convidadas especialistas para debater o Racismo Ambiental. Com o tema Toda criação revela Seu amor,  cerca de 50 mulheres negras evangélicas de diversos estados brasileiros e de diferentes origens doutrinárias se reuniram de forma híbrida na cidade de São Paulo.

O VI Encontro de Negras Cristãs acolheu diversas mulheres negras para orar, estudar, ler a bíblia, cantar e construir novas perspectivas de interpretação da bíblia. Interpretação essa que não entende os evangélicos como um grupo universalizado, mas que compreende que as pessoas evangélicas são diversas, assim como a população brasileira.

Segundo o Instituto Datafolha, em pesquisa realizada em 2019, as mulheres negras são 59% das mulheres evangélicas no Brasil. Neste grupo religioso, 58% são mulheres. Ou seja, as mulheres negras são a maioria da população evangélica brasileira. Esse grupo, ainda, quando pensamos em termos populacionais gerais, é o que mais sofre com o que se nominou como racismo ambiental: vivem em situação de vulnerabilidade geográfica (seja em áreas de risco ou de extrema pobreza), são as que têm menos acesso à segurança alimentar e, sobretudo, têm menos acesso ao saneamento básico.

Neste sentido, a RMNE organizou um encontro no qual as mulheres negras evangélicas pudessem aprender mais, trocar experiências sobre o tema e entender como uma espiritualidade feminina negra evangélica pode ser atuante nas causas ambientais, sobretudo na denúncia ao que se denominou Teologia Domínio – que entende que a exploração da natureza é compatível com a fé cristã. Assim, a leitura da bíblia apresentada por este evento é uma leitura centrada no cuidado com a natureza que é Obra e Criação de Deus, assim como o combate à fome e à vulnerabilidade ambiental e social, expressões do racismo na sociedade brasileira.

Em consonância com seu manifesto, o encontro buscou tratar da questão ambiental na perspectiva da mulher negra, denunciando o racismo presente nos púlpitos das igrejas, assim como em toda a sociedade brasileira. Uma leitura propositiva da bíblia que seja centrada na corporeidade da mulher negra evangélica e em sua vida concreta na busca pelos Direitos Sociais e Humanos, tais como educação, cultura, saúde e liberdade religiosa.

No encontro, foram tratados temas referentes à manifestação do racismo nas Igrejas Evangélicas e como isso afeta a espiritualidade destas mulheres. Esses momentos de reflexão e aprendizado tiveram como destaque as conferências que aconteceram em três momentos: Na sexta-feira à noite, com a professora doutora Valdenice Raimundo, com a presidenta da RMNE, Elizabeth Guimarães, e com a tesoureira da RMNE, Heloisa Calmon. Esta primeira mesa versou sobre o texto de Cânticos 2,2 Qual o lírio entre os espinhos, tal é meu amor entre as filhas. Um tema muito importante para as mulheres negras que têm sua autoestima desgastada por todo racismo que envolve a questão do amor para a mulher negra, como nos disse Beatriz Nascimento em A mulher negra e o Amor.

A conferência do sábado de manhã contou com a professora mestra Aloá Dandara e com a professora doutora Lourdes Brasil, com a mediação de Carla Ribeiro, que é integrante da RMNE. O tema desta conferência foi Mulheres Negras e Ecoteologia: uma memória ancestral, tendo por objetivo debater a importância da questão social que afeta a vida das mulheres negras e como podemos nos engajar de forma prática sobre o assunto. Além de apontar para um entendimento comunitário da bíblia que preze pela convivência respeitosa entre a humanidade e a natureza.

No sábado à tarde, a professora doutora Cleusa Caldeira e a professora mestra Gicelia Cruz, em uma mesa que foi mediada por Ivanete Xavier, secretária executiva da RMNE, versaram sobre Teólogas Negras do Bem Viver, focalizando o papel da teologia na experiência das mulheres negras. Sobretudo em um contexto religioso evangélico no qual a interpretação da bíblia é eurocentrada, a mesa teve o intuito apresentar o que as Teólogas Negras têm produzido no Sul Global, como América Latina e África.

E nesse esforço de dar visibilidade à produção das mulheres negras evangélicas, a RMNE tem apresentado publicamente as vivências de mulheres negras e suas interpretações do mundo. O encontro é uma das ações deste esforço de dar protagonismo às mulheres negras evangélicas. Neste ano, ainda, a RMNE lançou o projeto Memória e História Digital e Política das Mulheres Negras Evangélicas. Projeto esse que objetivou garantir um direito que foi negado às populações negras brasileiras: o registro de suas versões da história. Em um esforço de registrar o caminho de diversas mulheres negras evangélicas e suas vivências, o projeto contou com 12 autoras negras evangélicas que registraram a sua perspectiva sobre Jesus e sobre sua Fé.

Assim, a Rede de Mulheres Negras Evangélicas pretende dar visibilidade para múltiplas narrativas na perspectiva do cuidado, do acolhimento e de uma fé respeitosa que não perpetue o racismo e a colonialidade tão presentes em muitos templos evangélicos. Seguindo os passos de outras mulheres negras evangélicas que vieram antes, como Sojourner Truth e Rosa Parks, a RMNE tem buscado ser um lugar de fortalecimento e encontro de vozes negras evangélicas femininas, seguindo em busca do bem-viver e de uma espiritualidade livre.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo