Diálogos da Fé

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Lei de prevenção aos abusos em espaços religiosos, um debate urgente

A bancada evangélica promoveu desinformação sobre o real teor da lei, sabendo que nós, as feministas, não temos a mesma força de comunicação

Foto: Pexels/Creative Commons/Pixabay
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Recentemente, uma polêmica tomou as redes sociais a respeito do protocolo de prevenção aos assédios contra mulheres em ambientes de diversão que tivessem bebida alcoólica.  De autoria da Deputada Maria do Rosário (PT/RS),  a Lei 14.786/2023, Não é Não, estabelece uma série de obrigações para esses espaços no caso de alguma mulher ser assediada, assim como promove um programa de prevenção aos abusos sexuais ao qual os estabelecimentos podem aderir.

Inspirada no protocolo “No Callem”,  de Barcelona (Espanha), esse debate ganhou holofotes após o caso de assédio protagonizado pelo jogador de futebol Daniel Alves, em um bar naquela cidade. Esse caso suscitou um debate público de como se faz necessário que os estabelecimentos sejam obrigados a dar apoio para mulheres que se vejam em situação de assédio.  Isto, já que, devido ao protocolo, a vítima de Daniel Alves acionou o bar, denunciando o assédio e levando ao julgamento do jogador. Assim, Rosário e grupos feministas estabeleceram esse debate extremamente necessário, na Câmara dos Deputados. 

O que parecia ser um projeto sem objetores, não teve uma votação tão tranquila quanto se imaginava. A bancada cristã, com protagonismo dos evangélicos conservadores, se colocou contra a aprovação do projeto, caso os espaços religiosos não fossem excluídos da lei. Neste contexto, nas negociações para o que o projeto fosse aprovado, os defensores do projeto aceitaram que fosse aditado ao texto da lei um parágrafo único que diz: “O disposto nesta lei não se aplica a cultos nem a outros eventos realizados em locais de natureza religiosa”.

E instaurou-se a polêmica. A tônica era a de que a bancada evangélica seria favorável ao abuso contra as mulheres, várias hashtags nas redes sociais, conservadores em evidência nas redes, e todo aquele boom de postagens e algoritmos. Que a bancada evangélica seja contra os direitos das mulheres, a gente já sabe. Esse segmento de evangélicos teve coragem de ir na frente de um hospital chamar uma menina de dez anos de assassina, quando sua família buscou o aborto permitido por lei, por ela ter engravidado depois de um estupro. Assim, sabemos do que são capaz.

A pergunta que me fiz, quando vi essa polêmica, foi: por que a bancada evangélica fez isso? Li algumas falas sobre os temas e a justificativa sobre a inclusão deste parágrafo único no projeto era estapafúrdia: “temos medo que as feministas usem essa lei para nos atacar”. Falas como “com esse protocolo não poderemos pregar submissão feminina”, ou ainda, “podem usar essa lei para que as Mulheres Trans sejam acolhidas em nossas igrejas”, são absurdas e abertamente transfóbicas e machistas.

Esta narrativa de perseguição, em ano eleitoral, é a construção de um discurso eleitoreiro. Os vídeos dos votos dos deputados, ou das entrevistas contra a aplicação do protocolo nas igrejas, geram excelentes materiais de redes sociais. A narrativa que se desenvolveu foi a de que as feministas usariam o protocolo para atacar as igrejas, e que a bancada evangélica se antecipou e defendeu a liberdade dos evangélicos. Absurdo. Obviamente a lei não se aplicaria a espaços religiosos, porque ela foi destinada explicitamente a espaços com uso de bebidas alcoólicas. 

Evidentemente, existem festas religiosas populares em que há bebidas alcóolicas e o protocolo deve ser aplicado (como quermesses). Porém, o ponto é que a lei não se direciona a cultos e demais manifestações religiosas. O que a bancada evangélica fez foi criar um factóide, uma narrativa de perseguição, para então, mostrar ao seu público a suposta defesa da família e da religião. 

A bancada evangélica promoveu desinformação sobre o real teor da lei, sabendo que nós, as feministas que defendem as mulheres, não temos a mesma proporção de comunicação. Em outras palavras, a bancada disseminou fake news sobre um projeto que busca inibir abusos sexuais em espaços de diversão. Ela usou de um artifício de criar uma narrativa de perseguição, muito comum na maioria das personagens midiáticas que querem comover seu público. 

Vale destacar aqui que não é o caso dizer que esta bancada seja a favor de abusos de mulheres e exigir a aplicação do protocolo nas igrejas. Considero ser o caso, criarmos um protocolo específico de prevenção ao abuso em espaços religiosos para evitar casos como o de João de Deus, dando suporte às vítimas deste tipo de abusador. Um protocolo, no qual os líderes religiosos que venham abusar de mulheres e crianças, tenham um responsabilização maior, haja vista o lugar de poder e influência que possuem.

Um protocolo no qual as igrejas sejam obrigadas a oferecer oficinas e palestras de prevenção ao abuso em espaços religiosos, que fossem obrigadas a acolher vítimas de abusos sexuais e psicológicos e que pudessem ser acionadas, enquanto instituição, caso não dessem todo apoio às vítimas.

A bancada evangélica buscou criar uma narrativa de perseguição, na linha da “cristofobia”, portanto, a resposta deve ser um movimento que obrigue as instituições religiosas a tratarem do tema em suas comunidades de fé. 

Não são um ou dois casos de abuso que acontecem nesses espaços. Vemos dia após dia pedófilos e estupradores que ganham a confiança da comunidade e usam desta confiança das famílias para acessarem crianças e adolescentes. Assim como muitos outros, usam a devoção e fé de muitas mulheres, para abusar sexualmente delas.

O líder religioso, sobretudo, está lidando com muitas pessoas vulnerabilizadas, que buscam na igreja conforto para suas dores e aflições, e é neste espaço que abusadores encontram vítimas que possam enganar com a oferta de ajuda, acolhimento e cuidado. Um protocolo “Quando a fé não cala”, pode ser uma ótima resposta a este “teatrinho” da bancada conservadora cristã. 

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