Diálogos da Fé

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Israel x Hamas: crianças não fazem Guerra Santa

Que as crianças palestinas e israelenses possam viver a vida em abundância que Jesus prometeu a todas as pessoas

Créditos: SAID KHATIB / AFP
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“Não pode existir guerra santa, isso é uma contradição em termos”. Essa frase foi dita por Renato Russo, em 1994. Russo também é autor da música Canção do Senhor da Guerra, letra que tem acompanhado  minhas reflexões, nesta última semana. Eu, como mulher evangélica, concordo totalmente com o compositor, afinal não pode haver guerra em nome de Deus. Essa retórica evangélica de defesa do Estado de Israel com base no Antigo Testamento, da Bíblia cristã, transforma o sacrifício de Jesus em opróbrio. Milhares de religiosos, que dizem amar e seguir os passos de Jesus, justificam há anos um genocídio em curso na Palestina alicerçado nas profecias de que Israel irá se recompor e reconhecer o Messias.

Como Deus poderia aprovar tamanha violação de direitos humanos, falta de medicamentos, de comida; postos médicos e áreas civis bombardeadas, poluição de fontes de águas, portões e muros que encurralam quase dois milhões de palestinos em um território menor que o Distrito Federal. Como essa guerra poderia existir em nome de um Deus que foi capaz de dar a sua vida  por sua criação? Não seriam os palestinos imagem e semelhança de Deus também?

Canção do Senhor da Guerra sempre me trouxe profundas reflexões sobre as crianças em situação de guerra. Afinal, são tantas delas com armas nas mãos e tantas outras mortas em ataques covardes a mulheres grávidas, idosos etc. Famílias inteiras mortas apenas por nascerem palestinas.

O Israel bíblico, que tantos reivindicam, não é o Estado de Israel atual. A resistência armada palestina não seria a causa de tantas cenas de destruição, senão efeito de uma ocupação territorial ilegal e desumana. Há 40 anos, historicamente, não havia Hamas, mas já havia ocupação israelense em território palestino.

Aqui, não venho justificar a guerra ou quaisquer ações violentas. Venho, apenas, constatar que o Estado de Israel não quer acabar com essa guerra, mesmo que os seus cidadãos também sofram os efeitos da “guerra santa”.

O que mais me chama atenção nos discursos evangélicos brasileiros é que são milhares de fiéis orando pela salvação de Israel e pela destruição da Palestina. A quem interessa tanto ódio aos palestinos?

Segundo o Defense for Children International – Palestine (DCIP) junto ao Ministério da Saúde da Palestina, 91 crianças já foram assassinadas com a retaliação israelense à Faixa de Gaza, no último final de semana. Na Cisjordânia milhares de crianças tentam sair com suas famílias do território que  Israel deseja anexar à base de ataques militares.

Nesta mesma canção, Russo fala que “o Senhor da guerra não gosta de crianças”, e, de fato, vemos isso a cada imagem de crianças baleadas, assustadas, chorando, órfãs… O Senhor que eu conheço disse aos seus discípulos: “Deixai vir a mim as criancinhas, porque delas é o Reino dos céus”. Nesta semana do Dia da Criança, eu gostaria de chamar a comunidade evangélica a refletir sobre a morte daquelas que são as verdadeiras donas dos Reinos dos Céus.

Em 2015, escrevi sobre uma foto do menino Kalyl Kurdi morto em uma praia na Grécia, uma família síria que fugia da guerra que persiste há décadas no Oriente Médio. Aquela foto virou símbolo da crise migratória em meados da década passada. Ora, por que as pessoas migram senão por causa da fome, da guerra, da violência? E dia após dia milhares de crianças morrem pelas mãos daqueles que dizem lutar em nome de Deus.

Crianças e jovens armados lutando por homens poderosos que não irão morrer na guerra. Como podemos em sã consciência, conhecimento e seriedade com nossa fé, tomar partido daqueles que criam e inventam tais jogos de guerra?

As crianças que vivem hoje em um grande campo de concentração cercado por muros e atiradores não mereceriam nossa misericórdia? Porque a Palestina Livre não seria uma profecia bíblica? Afinal, no texto da Bíblia, Agar é a mãe dos palestinos. Ela e seu filho Ismael foram amados e acolhidos por Deus, a tal ponto dela dar um nome para Deus “Aquele que me vê”. A leitura literal da Bíblia, que leva muitos evangélicos a acreditarem que palestinos são terroristas, abre mão de entender que Deus falou com Agar, prometendo terra e muitos descendentes a ela. Deus não mata crianças, Deus salva crianças e suas mães.

As crianças não fazem guerra. Crianças são vítimas da guerra. O mesmo Deus que viu Ismael com sede e fome e se compadeceu, o acolheu e indicou um poço de água, jamais aprovaria um Estado que cimenta fontes de água, que polui nascentes e que mata crianças o tempo todo. Embora as crianças palestinas sejam as que mais sofrem com a guerra, as crianças israelenses também estão no meio de uma guerra que não foram elas que criaram. Os adultos criam guerras por poder, dinheiro e ganância.  É justamente das crianças que vem o Reino de Deus, um reino de paz, justiça e alegria. E o que vimos nos últimos dias, foram crianças palestinas e israelenses assassinadas.

Defendo um Estado Palestino soberano, onde as crianças palestinas não estejam fadadas à morte, apenas por nascerem palestinas. Ao reconhecer o Estado Palestino, Israel porá fim a esta guerra. E se vamos nos pautar por profecias bíblicas para justificar a busca pela Paz, temos que ser honestos com o texto bíblico e entender que a paz só virá com a libertação do povo palestino para que possam ter dignidade humana.

Que as crianças palestinas e israelenses possam viver a vida em abundância que Jesus prometeu a todas as pessoas, quando esteve entre nós. Se o senhor da guerra não gosta das crianças, o Senhor da vida as ama e diz que sejamos como elas. #FreePalestine

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