Diálogos da Fé

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Institucionalização é desafio constante para pastorais católicas LGBTQIA+

Entre o discurso do papa de que a Igreja é para todos e a vida das comunidades católicas, há muitos processos de conexões e fricções

Parada LGBT de São Paulo. Foto: Paulo Pinto/FotosPublicas.
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Tarde de sábado, junho de 2018. Um grupo de pessoas reunidas em uma sala da Mitra Diocesana de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. O então bispo local, Dom Luciano Bergamin, entra no espaço e dá um beijo na testa de cada pessoa presente. Em seguida, senta-se em uma cadeira e começa a ouvir os relatos. Estão ali pessoas LGBTQIA+ e seus familiares. Suas histórias são de sofrimento, alegria e, sobretudo, de amor ao Evangelho. Tratava-se do encontro mensal da Pastoral da Diversidade, fundada em 2017.

Questionado por nós sobre os motivos que o levaram a permitir o funcionamento da pastoral – um espaço institucional na diocese para pessoas LGBTQIA+ –, o bispo, hoje emérito, responde: “se Jesus é o Bom Pastor, pastoral é procurar fazer o que Jesus fazia. O que Jesus faria se estivesse aqui? Julgar moralmente não é a primeira atitude, a primeira atitude é de acolher, de escutar”.

A Diocese de Nova Iguaçu, no entanto, mudou a sua atitude. Em julho deste ano, sua nova gestão decidiu extinguir a Pastoral da Diversidade. A Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT, organização que representa 23 coletivos de cristãos leigos e leigas, afirmou, em nota, que “a extinção da Pastoral da Diversidade, sem a existência de outro grupo ou estrutura semelhante, prejudica muito a caminhada e o cuidado destas pessoas”. Ainda de acordo com a entidade, a iniciativa “fecha as portas a tantos LGBT que hoje se encontram na mesma situação de opressão na qual estiveram vários membros da Pastoral antes de conhecê-la. Só que agora sem a oportunidade que estes tiveram, pois se retorna ao mesmo vazio e insuficiência que havia antes”.

A criação e a manutenção de iniciativas institucionais de acolhimento pastoral para pessoas dissidentes de sexo e gênero no âmbito da Igreja Católica no Brasil é marcada por avanços e fricções. Passos para frente, passos para trás. O caso de Nova Iguaçu soma-se a outros registrados nas últimas décadas no Brasil.

Nos anos 1990, por exemplo, um padre em Campinas, interior de São Paulo, quis criar uma pastoral para acolhimento de pessoas homossexuais a partir de uma experiência vivida em sua então paróquia, na periferia da cidade, em que pessoas travestis e transsexuais o procuravam para terem um aporte espiritual, sem julgamentos. Ao longo dos anos 2010, grupos leigos LGBTQIA+ em São Paulo (SP) e Curitiba (PR) também tiveram que dar explicações à hierarquia católica ao chamarem seus coletivos de pastoral.

Outro caso emblemático é registrado na Arquidiocese de Belo Horizonte (MG). Em 2017, núcleos de uma Pastoral da Diversidade começaram a funcionar na capital mineira. No ano seguinte, contudo, o bispo arquidiocesano disse que não reconhecia as iniciativas. A fala do clérigo veio após a pressão de grupos católicos fundamentalistas, que utilizaram as redes sociais para atacar os membros da pastoral e afirmar que a “agenda gayzista” estava presente na arquidiocese.

Crianças, mulheres, pessoas negras, encarcerados e migrantes são dignos de serviços pastorais. Por que, afinal, a Igreja se recusa a reconhecer LGBTQIA+ como sujeitos eclesiais plenos? A hierarquia católica já parou para analisar o impacto social desta recusa?

O cenário é, na verdade, a realidade do trabalho pela cidadania plena para pessoas dissidentes de sexo e gênero, dentro e fora dos ambientes eclesiais. Dada a estrutura homotransfóbica da sociedade, nenhum direito ou conquista está consolidado. A luta  tem que ser constante.

No início deste mês, o papa Francisco afirmou, durante a Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa (Portugal), que a igreja é para todos. A fala veio após uma entrevista à imprensa espanhola em que o pontífice disse que mulheres trans são filhas de Deus e após as controvérsias em torno da participação e visibilidade de grupos católicos LGBTQIA+ no megaevento da juventude católica. Entre o discurso papal e a vida das comunidades católicas há muitos processos de feitura, marcados por conexões e fricções.

Apesar dessas situações, avanços importantes são registrados. Dada a diversidade no catolicismo, diversas paróquias, serviços, congregações e organizações religiosas no Brasil desenvolvem ações pastorais que olham com sensibilidade para as realidades familiares diversas, ainda que não existam pastorais de forma institucional. Sem contar a formação de coletivos autônomos, protagonizados por cristãos leigos e leigas.

Outro ponto a ser considerado é a filiação da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT ao Conselho Nacional do Laicato do Brasil, e a participação de membros dessa organização como delegados da Assembleia do Cone Sul, da Fase Continental do Sínodo 2021-2024.

Institucionalizar-se ou não é uma questão posta. Há aqueles que acreditam que ter uma espécie de reconhecimento oficial para esses serviços pastorais é importante; há outros, por sua vez, que apostam no vigor das margens para construir o projeto de vida plena para todas as pessoas.  O fato é que os católicos LGBTQIA+ reivindicam seu lugar como sujeitos eclesiais e afirmam, de forma profética, que a Igreja não pode ser mais espaço de exclusão.

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