Diálogos da Fé
Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões
Diálogos da Fé
Fé em Deus no fim do arco-íris
Dentro da maioria das igrejas é assim: parecem seguir a política de melhor nem saber
Se engana quem pensa que as igrejas evangélicas são um bloco homogêneo. Se engana também quem pensa que os pastores midiáticos representam essa fé tão plural e diversa com um discurso único. Podemos relembrar o binômio de ortodoxia – opinião/doutrina correta – e heresia – o que foge à norma estabelecida – resgatando que aqueles que dizem ter a “verdadeira fé”, punem, ridicularizam e menosprezam tudo aquilo que se difere desse centro de poder.
A ortodoxia surge posteriormente às “heresias” e é marcada pela vontade de dominar e suprimir o diferente. Então, para fugir disso, apresento aqui uma outra via, que é o assumir a polidoxia – diversas opiniões dentro da fé cristã. A polidoxia, então, é a exposição das multiplicidades que cabem dentro do cristianismo, do não-saber místico de Deus e da relacionalidade, que é o conhecimento com base nas relações humanas e com a natureza. E para esse breve texto, trouxe comigo algumas vozes que já me acompanham por anos a fio, que vieram antes de mim, nessa caminhada de fé e luta.
Dentro dessas tantas vozes, desses tantos conhecimentos baseados nas experiências do cotidiano, das lutas e da fé, nos deparamos com uma realidade que confronta o cristianismo: a violência contra a população LGBTQIA+ no Brasil. A pastora Alexya Salvador, a primeira mulher trans a ser nomeada reverenda na América Latina diz: “O Brasil é o país que mais mata travestis, homens e mulheres trans no mundo.” E a carência de dados oficiais sobre as atrocidades que ocorrem é um indicativo de necropolíticas estabelecidas pelo des-governo de Bolsonaro e sua tropa, que cada vez mais manipulam números, dados para seu próprio benefício.
Dentro da maioria das igrejas é assim: parecem seguir a política de “melhor nem saber” e muitos pastores e pastoras preferem fechar os olhos e não enxergar que: nós, LGBTQIA+, estamos nas igrejas! E não só estamos, como fazemos parte da espiritualidade viva do cristianismo, merecemos respeito, dignidade e também produzimos teologia a partir das nossas alegrias, dores e lutas.
Nos últimos dias, um vídeo de um pastor andou circulando nas redes sociais de famosos e famosas, gerou cerca repercussão nas mídias e expôs uma ferida profunda dentro das comunidades de fé: a LGBTfobia cordial. Murilo Araújo, ativista negro LGBT+ e católico uma vez escreveu: “a LGBTfobia cordial é uma forma pior e mais nociva do que a violência explícita – porque como é implícita é mais difícil de perceber e se defender.” O pastor Bob Botelho da Iglesia Antigua de Las Américas, e fundador do Evangélicxs pela Diversidade, compartilha sua experiência quanto a fala como essas: “ É nocivo e como discursos como esse geraram em mim tentativas de suicídio e uma depressão profunda por longos 5 anos, e de que como essa narrativa segue gerando sofrimento na vida de várias pessoas LGBTs que hoje chegam ao Evangélicxs Pela Diversidade”. E tais discursos vão de encontro às falácias da “cura gay” propagada por igrejas e pastores que impoẽ inúmeras violências aos que passam por esse processo.
A ativista Camila Mantovani, evangélica, bissexual e fundadora de Frente de Evangélicas pela Legalização do Aborto partilha suas vivências: “A prática da cura gay precisa ser repudiada e banida. Ela é tortura psicológica e fere a dignidade humana. Eu passei por essas sessões de tortura e se dependesse delas, eu não estaria viva hoje. Eu vivo pela graça de Deus que está sobre a minha vida (…)”
É necessário ir além do diálogo, conhecer as diversas realidades é um passo para superar esses pensamentos que promovem morte. Camila Mantovani diz “muita gente que não tem ideia do que é a realidade de uma pessoa lgbt de fé e, assim, nos deslegitima. É quase como se fosse incompatível nossa sexualidade e nossa fé”. Para o Alexandre Pupo, advogado e sociólogo, assessor de projetos em KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, LGBT+ e membro da Igreja Metodista: “Não se trata de trazer um tópico de diálogo, mas de reconhecer que a diversidade sexual e de gênero existe dentro das igrejas. Se não são expulsos sumariamente, sobra nas igrejas evangélicas uma boa quantidade de homens e mulheres LGBTs, a maior parte deles no armário, outros vivendo uma vida dupla.”
A teóloga queer, doutora em Ciências da Religião e pastora da Igreja Comunidade Metropolitana Revda Ana Ester, avalia que “a sexualidade e espiritualidade são campos em disputa”! E essa disputa é também uma agenda política carregada das falácias acerca da “ideologia de gênero”, que articulam alas católicas e evangélicas, em um “ecumenismo (neo)conservador”, que dizem defender a “família, moral e bons costumes”, como aponta a pesquisadora Tabata Tesser: “São as agendas anti-gêneros “novas formas de totalitarismo” no século XXI baseadas em dogmas religiosos cristãos conservadores que visam a defesa da “lei natural” e provocam um retorno da Igreja Católica aliada a setores pentecostais a um regime de diferença sexual.”
Entretanto, até mesmo entre os evangélicos progressistas há resistências acerca do trabalho efetivo com igrejas nessa temática, sendo sempre adiada ou colocada em segundo plano. A Revda.Ana Ester pontua que esse tipo de progressismo teológico é seletivo, e não abrange a celebração e afirmação das identidades: “Costumo dizer que muitos dos “progressismos evangélicos” estão na página dois de uma proposta radicalmente inclusiva. (…) O avanço do diálogo deve permitir que esses corpos deixados de fora da mesa da comunhão, por tanto tempo, entrem nos templos não mais como corpos castrados, mas celebrando a experiência de uma fé integral”
Mas claro que, assim como pontua o Revdo. Bob Botelho: “O termo “grupos evangélicos progressistas” é extremamente amplo e heterogêneo”. Um exemplo disso foi a realização do 1º Congresso Igrejas e Comunidade LGBTI+ em 2019, que contou com o apoio de diversas igrejas como a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Igreja Batista do Pinheiro em Maceió, e a participação de diversas denominações como igrejas metodistas, mórmons e igrejas inclusivas. Alexandre Pupo nos contou que a ideia surgiu como uma articulação das igrejas e comunidades de fé que estavam já envolvidas nas construções de comunidades afirmativas, porém desarticuladas.
Ocupar esse espaço da fé é crucial para cultivarmos uma espiritualidade plural. A Revda.Alexya Salvador deixa a letra “Ser ordenada clériga é a confirmação de que pessoas iguais a mim podem estar em todos os espaços da sociedade e da religião”! Devemos assumir a polidoxia, assumir as diversas cores do arco-íris, da vida, da natureza! Compreendendo que a diversidade é divina, e que escorre em amor dos braços de Deus. Encerro com uma bênção e prece escrita pela Revda. Alexya, que diz:
“Deus, hoje, mais do que nunca, nos faça pessoas construtoras da DIVERSIDADE (…) É nos teus múltiplos nomes, cores, cheiros e sabores, que hoje reafirmamos nosso compromisso com diversidade, sua maior manifestação. Amém, axé, namastê, motumbá, shalom …”
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