Diálogos da Fé

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Sim, infelizmente existem países que obrigam o uso não só do hijab, mas do niqab – a roupa preta que cobre o corpo todo. Mas isso diz respeito não à religião, e sim à política desses países

Foto: MIGUEL MEDINA / AFP
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Há cerca de dois anos, eu havia escrito sobre as mulheres muçulmanas e o hijab, o véu islâmico. À época, isso foi por ocasião de uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia que permitia que os empregadores pudessem interferir no uso do véu pelas funcionárias muçulmanas, ou seja, bani-las de usá-lo. Hoje mais uma vez venho falar deste assunto por vários motivos, entre os quais conto com a infeliz decisão do governo francês que proíbe as alunas muçulmanas de vestirem abaya (uma roupa que cobre o corpo todo) nas escolas. 

Esta proibição aconteceu há quase um mês. Há um mês, venho refletindo sobre o que dizer e manifestar e confesso que já escrevi e apaguei vários textos por serem escritos por impulso e indignação do momento, pois considero um equívoco reagir no calor do momento – algo que pode resultar em maus entendidos e até arrependimentos por minha parte por ter escrito daquela forma. Prefiro sempre escrever e me manifestar da forma mais racional possível.

O surgimento do feminismo trouxe consigo a emancipação das mulheres no Ocidente. E por ter surgido em um momento que essa parte do mundo atribuía a si mesma tudo que era de bom, parecia e parece ainda que a questão da emancipação das mulheres veio unicamente através do feminismo ocidental. Para esse entendimento, qualquer mulher que em qualquer parte do mundo não se comporta conforme os valores ocidentais de feminismo é oprimida. A exemplo disso, podemos e devemos falar do caso mais citado que é a mulher muçulmana. 

Sim, infelizmente existem países que obrigam o uso não só do hijab, mas do niqab – a roupa preta que cobre o corpo todo. Isso diz respeito a nada da religião, mas da política 

Como já citei várias vezes aqui neste espaço, existem regras de se vestir tanto para os homens quanto para as mulheres no Islam. O Alcorão, antes de ordenar que as mulheres se cubram, ordenou isso aos homens e seguida veio um versículo solicitando às mulheres que cubram as partes do corpo, entre as quais o cabelo. Apesar de isso ser um dever religioso, como em todos outros, tanto as mulheres quanto os homens são livres de seguir ou não este modelo de vestimenta sugerido pelo Alcorão. É claro, nos termos religiosos o não-cumprimento de uma ordem de Deus configura pecado, porém, a responsabilidade é apenas da pessoa que não cumpre isso e ela se resolve com Deus – falando em um linguajar popular. 

A maioria das mulheres muçulmanas que usam o véu, faz deste uso uma questão de identidade, além de um dever religioso. O véu é uma expressão pessoal e, em casos como o da França, é uma afirmação de sua ligação com a sua origem étnica, cultural e religiosa, pois o véu não é usado apenas pelas muçulmanas no Oriente Médio. As cristãs também usam por demanda de suas respectivas igrejas de ritos orientais. As mulheres yazidis também usam como uma expressão religiosa e cultural.

Sim, infelizmente existem países que obrigam o uso não só do hijab, mas do niqab – a roupa preta que cobre o corpo todo. Isso diz respeito não à religião, mas à política desses países – que vai totalmente na contramão da religião apagando a livre escolha que Deus deu ao ser humano. Isso, sim, é uma opressão, assim como é quando um país que se diz “laico” obriga as mulheres a não usarem a vestimenta que lhes convém. A liberdade é válida somente quando a pessoa (independentemente do gênero) pode se vestir como quiser, estudar, trabalhar e ter sua independência. 

Por fim, quero citar o índice de islamicidade que é publicado anualmente avaliando todos os países reconhecidos pela ONU de acordo com os valores e princípios islâmicos. No último texto que escrevi neste espaço já fiz alusão a este índice, mas farei novamente. Este levantamento indica quais são os países que mais estão de acordo com os princípios islâmicos e o resultado sempre é surpreendente, pois os países de maioria islâmica sempre falham nesta avaliação.

Os primeiros 40 colocados não são países de maioria muçulmana e às vezes têm até pouca presença islâmica em seus territórios. Os países mais indicados como “islâmicos” como Irã, Arábia Saudita, Afeganistão, Paquistão etc. sempre falham neste índice aparecendo apenas a partir do 100º lugar.

Por isso, meus queridos leitores e leitoras, antes de comentarem de uma forma preconceituosa sobre o Islam com base somente nas notícias de agências americanas e internacionais, busquem ler e conhecer os trabalhos de quem vive e estuda esta religião mesmo aqui no Brasil.

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