Diálogos da Fé

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A mulher muçulmana é oprimida?

‘A maioria das muçulmanas não vê o uso do véu como uma opressão contra elas mesmas’

Foto: iStock
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Quem segue os meus textos publicados neste espaço há dois anos sabe muito bem que eu acompanho os comentários que se fazem nas redes sociais e geralmente dou respostas a críticas por meio dos artigos das próximas semanas. Desta vez, não só acompanhei as reações dos leitores, mas também interagi(!) com eles. Na realidade, foi uma interação um tanto curiosa, mas, afinal, ocorreu. Esta semana, eu gostaria de conversar com o meu querido leitor a respeito dessas interações que tive na decorrência das minhas publicações.

No nosso bate-papo anterior, conversamos sobre as decisões tomadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no dia 15/07.  Segundo o aval dado pelo Tribunal, as empresas europeias poderiam intervir o uso do véu pelas suas funcionárias muçulmanas.

Ou seja, a liberdade delas de exercer um dever religioso poderá ser banido pelos seus chefes porque isso não convém a eles.

É uma decisão um tanto controversa, pois vai totalmente em contramão dos valores democráticos, da liberdade religiosa e sobretudo da laicidade. O princípio da laicidade propõe que cada indivíduo possa fazer suas escolhas religiosas. Desta maneira, cumpre-se aquilo que é garantido pelas leis: a liberdade religiosa.

Digo isso, pois uma vez garantido o direito de escolher qual religião seguir ou não e o Estado não intervir nisso, os indivíduos podem exercer os seus deveres religiosos desde que isto não seja motivo de conflitos.

Bom, pelo que podemos ver, uma vestimenta não pode ser motivo de conflitos. Aliás, se a vestimenta tem o poder de criar conflitos, a sociedade precisa passar por uma profunda educação. E a Europa sempre reivindicou o atributo de “povo educado e civilizado”. Porém, vemos por meio dessas decisões que não é bem assim.

Uma das internautas fez o questionamento de “por que eu não via este véu como um símbolo de opressão em vez de religioso?”. A partir daí comecei a refletir se realmente o véu seria uma opressão contra as mulheres muçulmanas mesmo.

Em primeiro lugar, devemos lembrar que essa é uma ideia que foi desenvolvida no ocidente. A maioria das mulheres muçulmanas não vê o uso do véu como uma opressão contra elas mesmas, pois como qualquer outro dever religioso, isto também deriva da livre escolha. Ou seja, não é homem que obriga a mulher a usar o véu. Isso deve partir da livre e espontânea vontade da mulher.

Existem casos de países em que as mulheres são obrigadas a usar o véu. Mas isso apenas gera uma prática controversa da religião. Aquilo que vem como obrigação pode trazer consigo características do que chama-se hipocrisia.

Da mesma forma que no Islam a fé parte da livre e espontânea vontade (Alcorão 2:256), a prática dos preceitos e deveres religiosos também deve ter o mesmo fundamento para que seja verídico. Caso contrário, cria-se uma geração que tem “duas faces” diferentes: uma face que é aparente e contenta a sociedade mesmo a contragosto e a outra que é oculta e é totalmente contra tudo que aparenta ser. O exemplo disso é visto ainda nos primórdios da história islâmica: quando um companheiro do Profeta Muhammad, em decorrência de tortura, aparentemente renunciou a sua fé, no Alcorão (16:106) foi afirmado que nesses casos de obrigação e compulsão, o que é dito e feito não é válido, pois não parte da sinceridade do indivíduo.

Podemos pensar exatamente o mesmo sobre o uso do véu. Quando alguém é forçado a crer em algo ou praticar algum preceito, isso pode não ser verídico, pois derivará de opressão e força. Portanto, aquelas mulheres que usam o lenço não podem fazer isso sem que seja de livre e espontânea vontade delas.

Por outro lado, o uso do véu, no início da história islâmica, foi a demanda das próprias mulheres, pois no contexto histórico em que se vivia o véu era um sinal de nobreza. Antes de ordenar as mulheres a se cobrirem (Alcorão 24:31), o Alcorão ordena os homens a se cobrirem (24:30). Portanto, o preceito de cobrir o corpo não é um dever só das mulheres, mas sim dos homens também. Por isso, posso afirmar com toda certeza que as mulheres muçulmanas não são oprimidas por simplesmente usarem véu. Na maioria dos casos, o véu é uma identidade. Mas não nego a existência dos lugares em que as mulheres são obrigadas a usar véu. Isso não parte do islam, mas, sim, dos homens e vai em contramão de todo princípio islâmico.

Cabe a um homem falar que as mulheres não são oprimidas? Eu sei que você vai pensar isso, meu querido leitor. Por isso te indico as pesquisas da Profª. Drª. Francirosy Campos Barbosa que tem trabalhado sobre esses assuntos há mais de 20 anos. Uma outra indicação é o livro “As mulheres do Islã” de Edna Raquel Hogemann e Abdul Nasser Haikal publicado em 2020.

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