Diálogos da Fé

Blog dedicado à discussão de assuntos do momento sob a ótica de diferentes crenças e religiões

Diálogos da Fé

A religião nas redundâncias da história

Temos que evitar de nos deixar enganar pelos atores políticos por simplesmente aparecerem na igreja, mesquita, sinagoga, terreiro ou templo

Foto: iStock
Apoie Siga-nos no

Há muito venho refletindo e pesquisando, para me informar, sobre a relação entre religião e poder. Neste sentido, principalmente no que diz respeito à atual época em que vivemos, a primeiríssima questão que enfrentei – e aqui algumas vezes compartilhei com vocês – é a secularização. Ela surgiu como uma ideia de separação entre a Religião e o Estado.

Porém, como afirma Hervieu-Leger em O Peregrino e o convertido, foi se transformando em uma espécie de alternativa à religião ou até em uma proposta de aniquilação da religião em certos países. Apesar deste pressuposto não tão feliz para os setores religiosos, a partir da secularização começamos a perceber a nítida relação entre a religião e a política, pois até o desenvolvimento da ideia de separação entre as duas esferas a colaboração entre estas duas era quase inata ao ponto de sequer percebermos que poderiam ser coisas diferentes uma da outra. Dito de outra forma, a religião e a política – digo as relações entre poder estatal e religioso – andavam tão juntas que muitos acontecimentos políticos poderiam ser atribuídos ou até promovidos pelas instituições religiosas.

Peter Berger, em O Dossel sagrado, faz uma longa análise da religião com um poder legitimador. Na perspectiva, totalmente sociológica e metodológica, do autor, a religião aparece como uma exteriorização de valores por determinada sociedade, objetivação deles e depois interiorização pelos indivíduos. Portanto, a partir de um dado momento, o ser humano começa a ter que se submeter a leis, normas e valores por ele mesmo criados e isso, às vezes, de forma forçada quando dado sujeito não se encaixa dentro desse conjunto de regras que foram criadas na sociedade. Eis nesse ponto, a religião, que faz parte desse conjunto de valores, entra em vigor como uma forma de legitimação da supressão – ou até opressão – contra os indivíduos que na sociedade não se conseguem encaixar em termos de ideias, modo de vida entre vários aspectos. 

A profissão de uma fé ou religião é o direito mais essencial de cada ser humano. Deve-se, porém, viver a religiosidade em foro íntimo e dentro dos limites constitucionais

Nesses últimos anos, até onde pude acompanhar no meio acadêmico, debates e pesquisas sobre a relação entre religião e política vêm crescendo cada vez mais. Naturalmente, como pesquisador, acabei me submetendo, em parte, a esta leva de pesquisas – até por ser vítima de um regime totalitário legitimado pelos religiosos no meu país de origem. E comecei a observar a reiteração do mesmo episódio de legitimação das ações políticas pelas classes religiosas. Ou seja, em menos de 20 anos, o mesmo episódio se repetiu na minha vida em dois diferentes países e isso, para mim, é cada vez mais preocupante, pois não propriamente a relação entre a religião e a política, mas o uso de símbolos da religião majoritária – e arrisco dizer hegemônica – nas mãos de atores do extremo dos dois lados – direita e esquerda – nos faz abraçar, muito infelizmente, a ideia de que um regime totalitário está prestes a ser instalado. 

Estamos em ano de eleição no Brasil. E, para muitos, é um ano muito crítico em que a democracia está em jogo. Demoramos muito para perceber que estamos correndo o perigo de perder as liberdades e a democracia. Digo isso, pois, não para acusar somente um determinado político, mas o pensamento que nos trouxe ao ponto em que estamos. Nas últimas décadas, quase em todos os lugares do mundo, houve uma explosão de uso dos símbolos religiosos, o que fez com que líderes autoritários fossem eleitos cegamente por terem se apoiado nas comunidades religiosas. Claro, essas comunidades viram nesses líderes a possibilidade de se expressar na esfera pública – e até a oportunidade de sobressair a um “certo inimigo”. 

A profissão de uma fé ou religião é o direito mais essencial de cada ser humano, assim como o é não querer seguir nenhuma religião. As pessoas religiosas, porém, devem escolher viver a sua religiosidade no seu foro íntimo e dentro dos limites constitucionais de liberdade religiosa, não permitindo que ela seja utilizada como um elemento político para que alguém ascenda ao cargo que almeja.

Por isso temos que evitar de nos deixar enganar pelos atores políticos por simplesmente aparecerem na igreja, mesquita, sinagoga, terreiro ou templo. A liberdade é fruto de uma relação social interdependente. Quando fechamos os olhos para não ver que “o outro” está sendo reprimido, podemos ser nós mesmos o próximo a ser oprimido. Isso pode ocorrer a qualquer tempo, assim que começarmos a divergir dos líderes políticos que elegemos. E acreditem, esta é uma dura realidade dura em todo lugar do mundo. 

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo