Conjunturando

Quem não tem caráter, só tem preço

O Brasil precisa disputar, com esta juventude mercadora, com a renovação que não renova, o imaginário das futuras gerações e os rumos do País

A civilização avança quando os valores não são medidos em moedas
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No mundo em que vivemos, há dois tipos de liderança: aquelas que tem caráter, e aquelas que só tem preço.

Quem tem caráter nutre uma visão do mundo que orienta seu pensamento e suas ações. Acertar ou errar, faz parte. Mas tudo ocorre nos termos de um referencial, mais ou menos estruturado, em torno de valores. Estes valores constroem um programa coletivo. O programa dá transparência aos objetivos e caráter à personalidade. Quem concorda, participa. Quem discorda, critica.

Quem não tem caráter não conhece o significado dos valores na sociedade e na política. Sua solidariedade é a do preço. Com calculadora em mãos, ele calcula as coisas e os indivíduos. Política é como um negócio disfarçado. Chega junto com seu preço que, se o business der certo, garantimos uma beirada na empresa. Pra quem tem preço, certo ou errado não importam. Importa grana e resultado.

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Grandes aprendizados da humanidade ocorrem quando as ideias confrontam os preços. Quando gente movida por valores confronta, sem titubear, a calculadora de quem tem preço.

Por que preto tem de valer menos que branco?

Por que homem vota e mulher não?

Por que pobre, em um país rico, morre de fome?

Por que favela é tratada a bala e a zona rica a guarda particular?

Por que poucos têm educação, saúde e segurança de qualidade? Por quê?

Lideranças de caráter não ignoram preços. Mas o preço, para elas, é importante, desde que um servo. No máximo, ele influencia a velocidade das ações, nunca a direção. Por sua vez, quem tem preço é uma pirueta cínica, para quem valores são apenas marketing para se vender mais caro. O que importa é uma boa negociação. Para isso, lutam para formar sua “governança de coalizão”. No fim, contratam algum consultor para produzir valores que vão legitimar o resultado.

A principal fonte de lideranças de caráter, em todo o mundo, costuma ser a juventude. Sempre foi ela a grande fonte de vitalidade de um povo, da sua inventividade, dos novos empreendimentos, da rebeldia, da esperança.

Quando a juventude abraça um valor, porque tem fé ou porque tem sentido de missão, as circunstâncias do mundo se apequenam diante dos seus olhos. O impossível, para ela, é apenas mais uma porta esperando por se abrir.

No auge da maior crise institucional da democracia brasileira, nunca precisamos tanto da força renovadora da juventude. Olhamos para os principais centros do País e o que vemos? Que parte da juventude mais privilegiada  entrou “em liquidação”.

Sem nenhum pudor, sem meia ideia crível do que fazer, movida apenas pelo oportunismo e ambição, ela se oferece a troco de banana para o primeiro bilionário disposto a adquiri-la.

Para a elite mais conservadora do Brasil, nunca houve uma “barganha” tão fácil. De um lado, a demanda: os detentores do dinheiro e da mídia precisam desesperadamente de alguém que garanta a manutenção do “status quo”. Eis que, do outro lado, surge a oferta perfeita: “Somos a juventude mais bem-sucedida do Brasil: se forem bons como eu, esforçados como eu, vocês também vão chegar lá!”. “Os maiores empresários do planeta podem até te contratar para trabalhar para eles!” “Se eu consegui, você também pode!”

Nada é mais venenoso do que este discurso. Ele oculta tudo o que é mais grave e decisivo para nosso futuro: as injustiças estruturais na educação, na economia, nas regiões. Oculta as diferenças de cor, classe e região que partem o País ao meio. Oculta que, na infância, esta juventude mercadora teve todo apoio do mundo para sua formação. Passa um pano sobre tudo o que faz deste lugar o Brasil, e não a Inglaterra, os Estados Unidos ou a Dinamarca.

O Brasil precisa disputar, com esta juventude mercadora, o imaginário das futuras gerações nacionais. É decisivo mostrar, para nossa gente simples, um outro perfil de personalidade e de sucesso, em que ser bem-sucedido não se resume a ser amigo de apresentador da tevê, do bilionário do momento ou ter estudado no estrangeiro. Ser bem-sucedido, no Brasil, deve envolver o cultivo dos valores corretos para romper as estruturas que impedem a maioria do nosso povo brasileiro de aprender, empreender e crescer.

Um bom caminho é começar com as coisas mais básicas, diferenciando, como fez Sidonio Muralha, dois tipos de personalidade: quem tem caráter e quem só tem preço.

“– Parar. Parar não paro.
— Esquecer. Esquecer não esqueço.
— Se caráter custa caro
— pago o preço.
— Pago embora seja raro.
— Mas homem não tem avesso
— e o peso da pedra eu comparo
— à força do arremesso.
— Um rio, só se for claro.
— Correr sim, mas sem tropeço.
— Mas se tropeçar não paro
— não paro nem mereço.
— E que ninguém me dê amparo
— nem me pergunte se padeço.
— Não sou nem serei avaro
— se caráter custa caro
— pago o preço. 

*Daniel Vargas é Doutor em Direito por Harvard

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