Conjunturando

Pode a Renca ser extinta por decreto?

Uma visão jurídica a respeito do fim da reserva nacional de cobre e associados

Um dos trechos da reserva no Pará
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Em 22 de agosto, por meio de um decreto, o presidente Michel Temer extinguiu a Reserva Nacional de cobre e associados (Renca), uma extensa reserva mineral entre os estados do Pará e do Amapá criada por um decreto do general João Baptista Figueiredo em 1984.

A medida tem suscitado uma série de críticas em razão da possibilidade de exploração da área por mineradoras estrangeiras, algumas das quais sabiam do decreto antes do anúncio oficial. Especialistas têm demonstrado grande preocupação com a possibilidade de danos ambientais, grilagem e garimpo ilegal e o próprio Ministério do Meio Ambiente emitiu nota técnica contrária à extinção da reserva. Até mesmo o ministro do meio ambiente Sarney Filho não escondeu seu descontentamento e declarou ter sido “pego de surpresa” com a extinção da reserva.

Para tentar aplacar os ânimos, o presidente Temer procurou detalhar a medida por meio de outro decreto, de 28 de agosto, deixando clara, por exemplo, a situação das áreas com “sobreposição parcial com unidades de conservação da natureza ou com terras indígenas demarcadas”. Em 31 de agosto, o governo suspendeu os efeitos da medida por 120 dias para promover um “amplo debate” com a sociedade.

Antes disso, o decreto havia sido questionado no Judiciário e seus efeitos foram suspensos em 29 de agosto por decisão proferida na Ação Popular 1010839-91.2017.4.01.3400, em trâmite na 21ª Vara Federal do Distrito Federal. No dia 30 de agosto, o deputado Glauber de Medeiros Braga, do PSOL, ingressou com o Mandado de Segurança 35143 no Supremo Tribunal Federal, mas protocolou pedido de desistência logo em 31 de agosto, após ter sido sorteado como relator o ministro Gilmar Mendes.

Embora os meios de comunicação tenham discutido exaustivamente o assunto nos últimos dias, minha impressão é que a questão jurídica não está suficientemente clara para o público em geral. Seu cerne é a seguinte dúvida: pode a reserva ser extinta por decreto ou é necessária uma lei aprovada pelo Congresso Nacional?

A Constituição da República, ao tratar da proteção ao meio ambiente, determina que somente por meio de lei são permitidas a alteração e a supressão de espaços territoriais especialmente protegidos – ETEP (art. 225 §1º III). São exemplos de ETEP as unidades de conservação que integram o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, tais como as áreas de proteção ambiental, as florestas nacionais e os parques nacionais. Se a Renca for considerada um ETEP, sua extinção somente poderá ser feita por lei.

O Planalto argumenta que “o que deixou de existir foi uma antiga reserva mineral – e não ambiental”. De fato, o decreto que criou a Renca não estabeleceu nenhuma regra especificamente voltada para a proteção do meio ambiente. Seu objetivo foi estabelecer a exclusividade da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – CPRM, uma estatal, para realizar pesquisa mineral e estabelecer que as concessões de lavra fossem outorgadas apenas às empresas que tivessem negociado com a CPRM os resultados dos trabalhos de pesquisa. É relevante, portanto, o argumento do Planalto de que não se trata de uma reserva ambiental.

A decisão na Ação Popular que suspendeu os efeitos do decreto, por sua vez, o fez baseada na ideia de que a exploração de recursos minerais e o meio ambiente são temas indissociáveis. Afirma que o constituinte inseriu a exploração dos recursos minerais “no próprio bojo” do capítulo que trata do meio ambiente, pois determina que “aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado” (art. 225 §2º).

Afirma também que a lei que define a Política Nacional do Meio Ambiente inclui o “subsolo” no conceito de “recursos ambientais” (Lei 6.938/81), e a Lei de Crimes Ambientais inclui um tipo penal que se refere a exploração de recursos minerais (Lei 9.605/98). Aponta ainda que a reserva está localizada na Floresta Amazônica e a Constituição determina que sua utilização deva ser feita “na forma da lei” (art. 225, §4º).

Embora o resultado a que chegou, a suspensão do decreto, tenha agradado, a fundamentação da decisão não me parece suficiente para afastar o argumento do Planalto, até porque os dispositivos constitucionais e legais citados tratam de questões diferentes. A Advocacia Geral da União afirmou que irá recorrer. Provavelmente outras ações virão. A discussão está longe de se encerrar.­

*Doutor em Direito pela USP

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