Conjunturando

Carta do Rio de Janeiro: a Lava Jato parte para a ação política

A “Batalha Final” de Deltan Dallagnol parece ignorar os anos de engavetador geral e a própria seletividade da operação Lava Jato

Deltan Dallagnol: a atuação é política e não jurídica
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Em 27 de novembro de 2017, o procurador da República Deltan Dallagnol, mais uma vez, foi parar no centro dos holofotes ao afirmar que “2018 é a batalha final da Lava Jato, porque as eleições de 2018 determinarão o futuro da luta contra a corrupção no nosso País”. A declaração ocorreu em uma coletiva de imprensa na Procuradoria da República no Rio de Janeiro. Neste evento, procuradores de Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo – centros das forças tarefas da Operação Lava Jato – assinaram e divulgaram um documento intitulado “Carta do Rio de Janeiro”.

Primeiramente, a estrutura da fala do procurador deve ser analisada em conjunto com as suas funções institucionais enquanto membro do Ministério Público. Havendo indícios de autoria e materialidade do delito, segundo o artigo 129, I, da Constituição Federal, cabe ao MP iniciar “a ação penal pública, na forma da lei”. Como pode, então, essa batalha ser final se a luta contra a corrupção é um valor inerente à manutenção do já fragilizado Estado democrático de direito brasileiro?

A declaração de Deltan sugere, por um lado, que se existe um ponto final nessa batalha, trata-se da sua participação nessa luta. A instabilidade dos sistemas político e econômico e as mudanças institucionais recentes no comando do Ministério Público Federal (MPF) levam a crer que isso seja possível. Deltan, particularmente, perdeu fôlego ao longo de muitas coletivas de imprensa sem sequer ter participado de uma única audiência processual na presença de um dos principais investigados da Lava Jato, o ex-presidente Lula.

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Por outro lado, é possível interpretar que a perspectiva apresentada por Deltan refere-se à batalha final entre os membros do sistema jurídico e do sistema político sobre o tipo ideal de candidatos, eleições e política após 2018. Para tanto, é preciso analisar a fala do procurador conjuntamente com o conteúdo da Carta do Rio de Janeiro. Este documento é divido em oito pontos, os quais analiso abaixo.

Uma primeira limitação do texto é a menção aos problemas da corrupção no sistema político apenas. Ocorre, contudo, que a falta de controle adequado sobre atos administrativos é um grande gargalo do Estado brasileiro no combate à corrupção, não se restringido a órgãos e atores do sistema político. Por exemplo, em vários anos, o Judiciário e o MP foram identificados como as instituições que menos cumpriram a Lei de Acesso à Informação. Isso mostra a dificuldade em, primeiro, se obter dados para, posteriormente, controlar atos administrativos de forma eficaz no Brasil.

A própria Lava Jato emergiu em um contexto em que diversos órgãos de controle e o próprio Judiciário falharam em apurar ilicitudes que vinham ocorrendo há décadas, como sugerem documentos de governos anteriores ao da ex-presidente Dilma.

Com a Lava Jato, esses mesmos órgãos se redimem com a opinião pública sob o argumento de que “desde 2014, a Lava Jato vem revelando” a disseminação da corrupção no sistema politico brasileiro. Se 2014 é esse divisor de águas no combate à corrupção, Deltan e os demais procuradores sugerem que seus antecessores não trabalharam adequadamente para impedir essa disseminação da “corrupção endêmica” no Brasil por não terem investigado esses casos de forma eficiente antes de 2014. Nesse sentido, a Carta do Rio de Janeiro apenas enfraquece o papel e a imagem do Ministério Público.

Ademais, são apresentados alguns resultados da operação. Fala-se em acusações, prisões, condenações, buscas e apreensões e outras medidas relacionadas à esfera penal. Porém, estes resultados causam uma distorção que cria um espetáculo em torno da atuação criminal apenas, o que já foi analisado sob outra ótica. Dados indicam que nas ações de improbidade administrativa, que poderiam ajudar a mitigar a “corrupção endêmica” citada na carta dos procuradores, se tem condenado agentes públicos (não apenas políticos) muito mais por violações de princípios administrativos que por enriquecimento ilícito. Apesar das esferas civil e penal serem independentes, seria importante conhecer o trabalho do MPF em ações civis que porventura tenham precedido as ações penais da Lava Jato.

Em seguida, os procuradores não são tão detalhistas com os dados sobre membros do sistema político como quando falaram dos resultados da Lava Jato. Afirmam, genericamente, que “políticos envolvidos nos crimes” não foram afastados. Citam os desdobramentos da CPI da Petrobras, da CPMI do JBS e projetos de lei “prejudiciais à punição dos grandes corruptos”.

Lava Jato Ato de apoio à Lava Jato em Brasília: a carta dos procuradores traz ainda mais polarização (Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil)

Por exemplo, ao se discutir no Congresso mudanças quanto ao abuso de autoridade, isto serviria para “intimidar as autoridades”. Hipoteticamente, considere-se que este seja, de fato, o intuito do Congresso. Ainda assim, caberia aos procuradores ajuizar as ações competentes para remediar quaisquer injustiças geradas pelo legislativo. Afinal, o texto constitucional estabelece poderes para o MP, mas não apenas ele, para litigar em casos de vício da atuação legislativa.

O que causa estranheza é o fato dos procuradores não optarem pelos poderes expressos lhes conferidos pela Constituição Federal para exercer sua voz por meio de um procedimento judicial, mas sim tratar do assunto via coletiva de imprensa. Agindo desse modo, o Ministério Público, na figura dos autores da Carta do Rio de Janeiro, passa de uma atuação jurídica para uma clara atuação política.

No ambiente político, contudo, os procuradores estão lutando fora de casa, já que o MP é uma instituição do sistema jurídico. E um dos pilares de sustentação política é a opinião pública, com a qual os procuradores tentam dialogar. A Carta do Rio de Janeiro termina pedindo aos eleitores que escolham “apenas deputados e senadores com passado limpo (…) e que apoiem efetivamente a agenda anticorrupção”. Antes dessa conclusão republicana, os procuradores ainda pedem ao povo que acompanhe e suporte os seus atos nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal e suas manifestações no Congresso.

Portanto, se 2018 será a batalha final da Lava Jato, a Carta do Rio de Janeiro oferece todos os indícios de que essa será uma guerra política. Os membros do sistema jurídico representados pelos procuradores das forças tarefas já estão no campo de batalha contra os membros do sistema político.

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Tal como colocado na carta, os que se alinharem aos procuradores na hora de selecionar um candidato são contra a corrupção e os que se opõem não o são. Do mesmo modo, todos os candidatos que ainda respondem a um processo criminal iniciado pela Lava Jato, ainda que sem julgamento transitado em julgado, são corruptos.

Se pensarmos por essa lógica, apesar de o MPF ser um órgão bem equipado e contar com profissionais qualificados, não há como se investigar adequadamente todos os candidatos em 2018. Como, então, os procuradores que assinam a carta poderão justificar o foco investigativo em um ou em outro candidato? Além disso, independente de partido político, há uma judicialização cada vez maior de prestações de contas eleitorais de candidatos. Só pelo fato de um candidato ter exercido cargo eletivo, ele tem maiores chances de responder a um processo judicial decorrente da sua gestão. Estará ele, então, em desvantagem em comparação com um candidato que nunca exerceu cargo eletivo por não ter um “passado limpo” como colocam os procuradores?

As perguntas acima não são respondidas na Carta do Rio de Janeiro. Nem há menção à continuidade da luta contra a corrupção após 2018. Mas o arsenal político dos procuradores da Lava Jato já foi apresentado. Num contexto político polarizado como o atual, o conteúdo desta carta apenas contribui para aumentar esta polarização. Mais divisão numa sociedade já desigual e polarizada é tudo o que não precisamos para lutar na batalha contra a corrupção enquanto sociedade.

Por isso, não necessitamos de uma Carta do Rio de Janeiro para 2018, mas sim de uma nova Carta aos Brasileiros, ressaltando os valores do Estado democrático de direito, entre eles, o da política, ainda que imperfeita.

*Vitor Martins é Bacharel e mestre em Direito. Doutorando em Sociologia na Universidade de Indiana, em Bloomington (EUA)

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