Conjunturando

Apesar do crescimento, Haddad ainda é desconhecido do eleitor de Lula

Ciro tem a tarefa de neutralizar alta de Haddad sem perder eleitores de Lula que conquistou. Marina cai por deixar de ser identificada com o petista

Desafio de Haddad é mostrar ao eleitor seu vínculo com Lula
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Três fatos relevantes ocorreram entre a divulgação da pesquisa Datafolha que coletou dados entre os dias 20 e 21 de agosto, e a última divulgada, na segunda-feira 10:

1. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a substituição de Lula (PT) na chapa do PT-PCdoB-PROS, resultando na substituição, em 11 de setembro, de Lula por Fernando Haddad (PT) como candidato à presidência da República;

2. O início da campanha eleitoral no rádio e televisão em 31 de agosto, que tende a ser mais relevante, principalmente entre a população de menor renda, com menor acesso à internet e redes sociais;

3. Jair Bolsonaro (PSL) foi esfaqueado e internado em estado grave. Pesquisas são apenas um retrato do momento e, ainda assim, a comparação entre estes dois últimos levantamentos ajuda a avaliar mudanças de comportamento dos eleitores, assim como projetar tendências e possíveis estratégias dos candidatos.

A primeira questão relevante é Lula, nome que tem sido central em todas as eleições após a redemocratização e que liderava as pesquisas mais recentes até o indeferimento de sua candidatura pelo TSE. Paradoxalmente, a prisão e a sinalização, por membros do Poder Judiciário, da inelegibilidade de Lula fortaleceram seu potencial eleitoral, embora ainda exista grande incerteza sobre a migração das intenções de voto em Lula.

Em agosto, nos cenários sem Lula, Haddad tinha apenas 4% das intenções, enquanto indecisos aumentavam de 3% para 6% e brancos e nulos subiam de 11% para 22%. Votos migravam expressivamente para Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT).

À primeira vista, parecia contraditório que o candidato do partido de Lula tivesse um percentual tão baixo, dado que 31% afirmavam votar com certeza em um nome apoiado por Lula e 18% talvez votassem em nome apoiado por Lula.

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Já era possível identificar em agosto a causa da baixa transferência de Lula para Haddad, que era completamente desconhecido para 41% do eleitorado. O desconhecimento dos outros candidatos competitivos encontrava-se em patamar significativamente inferior: 7% desconheciam Marina, 12% desconheciam Geraldo Alckmin (PSDB), 18% desconheciam Ciro, enquanto 21% desconheciam Jair Bolsonaro (PSL). Além disso, apenas 17% reconheciam Haddad como o candidato apoiado por Lula, enquanto 10% identificavam Marina como a candidata apoiada por Lula.

Outro fator crucial decorre do perfil dos eleitores de Lula. Suas intenções de voto diminuíam conforme aumenta a escolaridade, indo de 49% entre a população com ensino fundamental para 25% entre os que têm ensino superior.

Dada a correlação entre escolaridade e renda, sem surpresa observa-se que as intenções de voto em Lula também caem conforme a renda aumenta. Lula atingia 59% no Nordeste e tinha seu pior desempenho no centro-sul, com índice inferior a 30%. Não é algo surpreendente que candidatos de esquerda tenham melhor desempenho entre eleitores e regiões mais pobres, pois isso costuma ocorrer em democracias consolidadas e já vinha ocorrendo no Brasil nas últimas eleições.

A retirada de Lula repercutia em expressivo aumento para Marina e Ciro justamente nas áreas onde o então candidato do PT era mais forte: ensino fundamental, baixa renda e região Nordeste. Haddad, por sua vez, tinha melhora no desempenho entre eleitores com ensino superior e renda superior a 10 salários mínimos.

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Os índices de desconhecimento de Haddad eram e são maiores justamente entre as parcelas do eleitorado em que Lula tinha seu melhor desempenho. No Nordeste, 51% dos eleitores desconheciam Haddad por completo. As mesmas faixas percentuais se repetem entre os eleitores com ensino fundamental e renda até 2 salários mínimos.

Já entre eleitores com ensino superior, 22% desconheciam Haddad. Entre pessoas com renda superior a 10 salários mínimos, Haddad era desconhecido de 15%. Em outras palavras, em agosto Marina e Ciro herdavam parte dos votos de Lula entre a população de baixa escolaridade e renda que desconhecia Haddad.

Bolsonaro, por investir em um discurso de oposição ao PT e por ser bem posicionado nas redes sociais, tem eleitores com perfil oposto ao de Lula e, por essa razão, a retirada de Lula da disputa aumentava suas intenções de voto apenas marginalmente. As intenções de voto no candidato do PSL aumentam conforme os níveis de escolaridade e de renda dos eleitores. Entre as regiões, tem seu pior desempenho no Nordeste (14%) e melhor no Sul (30%).

Entre os gêneros, Bolsonaro apresentava maior discrepância: 30% de intenção entre homens, mais que o dobro dos 14% entre mulheres, o que também se reflete em sua rejeição ser maior entre mulheres (43%, contra 35% entre homens). Mantido esse nível de rejeição entre mulheres, a vitória de Bolsonaro em um eventual segundo turno se torna improvável.

O bom desempenho de Bolsonaro entre eleitores de renda e escolaridade mais alta explica o baixo desempenho de Alckmin, cujas intenções de voto eram de 9%, pois eleitores com este perfil votaram nos candidatos à presidência do PSDB entre 2006 e 2014. Para crescer, Alckmin deve recuperar os votos que o PSDB perdeu para Bolsonaro, e o convite da Senadora Ana Amélia (PP-RS) para ser vice de sua chapa foi uma sinalização de que Alckmin passaria a visar aos eleitores de Bolsonaro.

Portanto, pode-se dizer que, embora a eleição deste ano seja carregada de incertezas, há dois polos eleitorais claramente identificados: pessoas de menor renda e escolaridade com intenção de votar em Lula, mas divididos entre Marina, Ciro e Haddad diante da inviabilidade da candidatura de Lula; e eleitores de maior renda e escolaridade divididos entre Bolsonaro e Alckmin.

Marina se apresentava como a única candidata posicionada a captar eleitores dos dois polos. O que aparentava ser um diferencial positivo se revelou uma fraqueza, pois Marina tinha a tarefa quase impossível de agradar eleitores avessos e simpáticos ao PT, e acabou perdendo os últimos.

Na última pesquisa do Datafolha no início de setembro, é possível verificar se o PT conseguiria aumentar a transferência de votos de Lula para Haddad entre eleitores de menor renda e escolaridade, que tendem a se informar mais por rádio e TV. Outra dúvida pós horário eleitoral é se Alckmin conseguiria recuperar eleitores que perdeu para Bolsonaro. Por fim, a facada contra Bolsonaro em tese poderia torná-lo mais palatável ao eleitorado feminino e de menor renda, aumentando suas chances em um eventual segundo turno.

Embora o percentual de eleitores que votariam em candidato indicado por Lula não tenha tido variação significativa entre agosto e setembro, a distribuição dos votos de Lula mudou principalmente em decorrência do maior conhecimento de Haddad, que passou a ser visto como candidato apoiado por Lula por 39% dos eleitores, contra 17% na sondagem anterior.

Por outro lado, Marina foi citada como a apoiada por Lula por 4% dos eleitores, contra 10% em agosto. Mais de 60% dos eleitores com ensino superior ou renda superior a 5 salários mínimos sabe que Haddad é apoiado por Lula, percentual que cai para 23% entre a população com ensino fundamental e 27% entre quem tem renda de até 2 salários mínimos.

A maioria dos eleitores com ensino fundamental (61%) e com renda de até 2 salários mínimos (57%) não sabe quem é o candidato apoiado por Lula. O conhecimento de que Haddad é apoiado por Lula é maior entre homens (48%) que entre mulheres (31%).

Entre agosto e setembro, Ciro aumentou de 10% para 13%, Haddad aumentou de 4% para 9% e Marina caiu de 16% para 11%. Ciro aumentou principalmente entre eleitores com ensino médio e superior, com renda de até 5 salários mínimos e nordestinos. Já o crescimento de Haddad e a queda de Marina se deram, grosso modo, sob a mesma base eleitoral, e podem ser explicados por eleitores que passaram a identificar Haddad e não Marina como apoiado por Lula.

Ainda assim, Haddad é pouco conhecido entre eleitores mais pobres e de menor escolaridade, justamente o segmento em que Lula é mais forte e tem maior potencial de transferência de votos: 49% dos eleitores com ensino fundamental e 45% dos eleitores com renda de até 2 salários mínimos votariam com certeza em um candidato indicado por Lula.

Diante dessas informações, é possível traçar algumas projeções das estratégias adotadas pelos candidatos. Mais eleitores tomaram conhecimento de que Haddad é o candidato apoiado por Lula, contribuindo para captar votos de Marina.

O fato de Haddad ainda ser relativamente desconhecido dos eleitores de menor renda e escolaridade, que são os mais propensos a votar em alguém indicado por Lula, indica que a campanha petista deverá focar nos eleitores que ainda não sabem que Haddad é o candidato apoiado por Lula. A segunda colocação pode dar a falsa impressão que a posição de Ciro é confortável: embora apenas 4% o identifiquem como candidato apoiado por Lula, Ciro só garante a segunda posição por herdar parte dos votos do petista.

Ciro terá de se equilibrar entre manter os votos dos eleitores simpáticos a Lula e impedir o crescimento da candidatura petista sobre os eleitores de Lula que ainda não conhecem Haddad. Se exagerar nas críticas ao PT, perde os eleitores que já tem. Se não criticar, corre o risco de ser ultrapassado por Haddad. Corre o risco de, nas próximas semanas, sofrer a mesma desidratação que Marina teve.

Como Marina perdeu os eleitores que aprovam Lula, ela deve reforçar seu afastamento do petista, pois já não há muito a perder nessa base eleitoral. O grande problema dessa estratégia é que o antipetismo já é disputado entre Bolsonaro e Alckmin. A foto de Bolsonaro internado fazendo sinal de uma arma demonstra que ele ainda não entendeu que precisa suavizar sua imagem para se tornar palatável ao eleitorado feminino e de menor renda. Felizmente.

*Bacharel em Economia (Unicamp), bacharel, mestre e doutorando em Direito (USP) e analista do Banco Central do Brasil

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