Conjunturando

A crise e suas dimensões

Um projeto verdadeiramente “progressista” precisa enfrentar questões estruturais, como a desindustrialização e os entraves à inovação

Para vencer o subdesenvolvimento, país deve mirar a sofisticação produtiva
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De acordo com as últimas pesquisas da consultoria Ipsos, a percepção de que o Brasil não está no caminho certo atingiu o maior nível já alcançado, superando o recorde anterior registrado durante os últimos meses do governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Para 95%, o Brasil segue no rumo errado. Há outras dimensões da crise que pretendo explorar sucintamente.

Segundo apontam os recentes números compostos da Markit Economics, sobre o índice gerentes de compras (PMI, em inglês), a economia brasileira está estagnada. Em síntese, a crescente preocupação das empresas em relação a questões políticas, a instabilidades institucionais, a fragilidades da demanda e adversas condições de mercado resultou no menor nível de confiança desde março de 2016. O desemprego elevado persiste e a população se mostra bem desconfiada do pacote reformista proposto.

Complexo e muito desigual, o Brasil possui um grande potencial. No entanto, o fim do ciclo de crescimento baseado em commodities, consumo e crédito demanda ajustamentos condizentes com o país melhor que um dia desejamos efetivamente ser. A desindustrialização precoce, desde meados dos anos 1980, afetou o fôlego da economia e suas possibilidades de desenvolvimento. Entre a especialização em atividades malthusianas (naturais e de retornos decrescentes de escala) ou schumpeterianas (construídas socialmente e de retornos crescentes), há perceptíveis diferenças nas riquezas das nações. Nesse sentido, é preciso cuidado para que o Brasil não fique preso na armadilha da especialização em ser pobre e muito desigual.

O processo brasileiro de desindustrialização prematura, compreendido como as perdas relativas de empregos da indústria de transformação e de sua participação no Produto Interno Bruto (PIB), é claro desde meados dos anos 1980. A partir de 1994, com o recorrente uso do câmbio para combater a inflação, vem ocorrendo a perda de sofisticação da nossa pauta exportadora. No instigante livro de Erik Reinert, “Como os países ricos ficaram ricos… e por que os países pobres continuam pobres”, editado pela Contraponto, há uma profunda discussão sobre o processo histórico de desenvolvimento. Cobrindo um período de cerca de quinhentos anos de reflexões e estudos econômicos, Reinert sintetiza: “países pobres tendem a se especializar em atividades que os países ricos não podem mais automatizar ou nas quais não há possibilidade de realizar inovações. Em seguida são criticados por não inovarem o bastante”. As políticas neoliberais são muito ruins para os países de renda média, pois elas os impedem de emparelhar com os países desenvolvidos.

Erik Reinert compara o Consenso de Washington (1989) com os planos Morgenthau e Marshall, do pós-guerra. Paralelos entre o Plano Morgenthau, que visava desindustrializar a Alemanha, e o Consenso de Washington, cuja orientação é pelo alinhamento de preços, deveriam ter causado maior preocupação com o desenvolvimento brasileiro. Afinal, a efetiva recuperação europeia se processou sob o Plano Marshall, que ajudou a industrializar os países arrasados pela guerra. O Brasil abraçou a austeridade fiscal, a partir de profundos cortes nos investimentos públicos, em decorrência da grave recessão iniciada em meados de 2014. Os aspectos estruturais, como a desindustrialização precoce e a acomodação de trabalhadores em atividades econômicas de baixa produtividade, não foram considerados nos tons dos “ajustes” macroeconômicos.

Após a crise financeira de 1929, a década que se seguiu foi de lições para muitos estudiosos. De certa maneira, revivemos certos aspectos daqueles dilemas com o estouro da crise global de 2008, após a queda do Lehman Brothers. A resposta inicial conjunta de muitos países à crise foi no sentido de manter o nível da demanda agregada e evitar os efeitos adversos nos empregos e na produção. O receituário keynesiano recomendava o investimento público em infraestrutura, por exemplo, como remédio eficaz para a recuperação da economia. Merece destaque o fato de que a forte queda dos preços internacionais das commodities e a Operação Lava Jato coincidem com o início da recessão brasileira.

Foram dois anos duros para a maioria dos brasileiros, 2015 e 2016, e não há sinal de retomada firme e sustentada da nossa economia. Números recentes do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, confirmam as dificuldades da retomada. Outro aspecto que merece destaque no empobrecimento brasileiro diz respeito àquilo que os economistas e pesquisadores Cassiolato e Lastres identificaram como um excesso de capacidade produtiva mundial.

Em um artigo publicado sobre os dilemas da indústria e da inovação, os pesquisadores afirmam que “com poucas exceções, a competitividade brasileira é forte somente em atividades ligadas a commodities com larga escala de produção e baixo valor agregado – intensivos em energia e recursos naturais”. O texto foi publicado nos “Cadernos do Desenvolvimento” (jul-dez, 2015), editados pelo Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. Entre os aspectos citados das fragilidades da economia brasileira, eles dedicaram atenção ao aumento do estoque de capital estrangeiro na indústria brasileira.

Para Cassiolato e Lastres, a elevação desse tipo de internacionalização da estrutura produtiva brasileira representa um empecilho ao desenvolvimento tecnológico e inovativo local, pois as subsidiárias das empresas transnacionais resumem suas atividades tecnológicas em adaptações e melhorias de produtos e processos (“tropicalização”). Com poucas atividades dinâmicas do ponto de vista tecnológico para gerar inovação, divisão qualificada do trabalho e economia de escala, há poucas chances de reduzirmos as nossas disfuncionais desigualdades sociais.

O Brasil é ainda um país de renda média, de grande potencial socioeconômico e que se desindustrializou precocemente, algo que afetou a sua produtividade e o seu crescimento. Em síntese, não se mostra viável almejar o desenvolvimento a partir de uma inserção primário-exportadora na economia global. A sociedade brasileira não deseja uma ponte para o passado.

 

*Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). 

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