Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

‘Você me abre seus braços e a gente faz um País’ é fruto de um manifesto de libertação

Marina Lima e Antonio Cicero compuseram Fullgás depois de produzir um texto (válido até hoje) contra ‘ideias repressivas’ no fim da ditadura

Foto: Candé Salles/Divulgação
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A canção Fullgás é uma obra-prima do pop nacional. Trata-se da faixa-título de álbum de Marina Lima lançado em 1984. Com letra e música penetrantes, a canção partiu de um manifesto escrito por ela e o irmão Antonio Cicero pouco antes do disco sair no fim da ditadura.

“Como a música é a expressão mais viva da cultura no Brasil, é justamente a ela que os caretas tentam impor a sua ‘ordem’. Se nossa música é política? Nossa música é a nossa política”, diz um trecho. “Chega de ideais repressivos, cagando regras, fingindo estar acima do tempo e dizendo, por exemplo, que devemos ser heterossexuais ou bissexuais ou que devemos ou que não devemos ter ciúmes… Melhor para nós são a descoberta e liberação dos desejos e gostos autênticos de cada um”.

O manifesto fala do full gas (tanque de combustível completo e abastecido) e do fugaz (rápido e intenso), que deu origem ao título fullgás. A composição é direta e simples.

Mas Fullgás é também pulsante, de sonoridade eletronicamente contemporânea pontuando o começo, o meio e o fim da canção em meio a expressões de desejo: “Meu mundo você é quem faz” e “nada de mal nos alcança”. 

Os versos finais da canção são emblemáticos: “Você me abre seus braços e a gente faz um país”. Marina Lima enfatiza o tom político da música no videoclipe oficial quando usa uma camiseta com a descrição “Brasil, urgente, diretas pra presidente” – à época, lutava-se pelo direito de votar.

O bom livro escrito por Renato Gonçalves Marina Lima: Fullgás (Editora Cobogó, 144 pág.), recém-lançado dentro da coleção O Livro do Disco, oferece em minúcias toda a construção não somente da canção, mas também do álbum-marco na carreira da cantora e compositora.

Marina Lina e Antonio Cicero tinham clareza do momento conturbado que viviam, da transformação que passava o País e o sentimento forte de mudança, ainda que, como bem definiu o acadêmico Renato Gonçalves, não desembocaria necessariamente numa ação efetiva, mas de afirmação comportamental. 

A cantora já estava na estrada há quase dez anos quando lançou Fullgás e faz uma assimilação daquele tempo bastante concreta no álbum de mesmo nome. 

Antonio Cicero tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras. Marina Lima seguiu a carreira com coerência, até se diferenciando de músicos de sua geração dos anos 1980. Os dois mantiveram percepção crítica do País, usufruindo da linguagem pop, poética, de significados, sem ser explicitamente ideológicos, mas de sentido libertário. Fullgás, Marina Lima e Antonio Cicero evocam de forma atual esse desejo de sonhar e (re)fazer o Brasil.

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