Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Ritchie: Achavam que ‘Menina Veneno’ jamais tocaria no rádio

O cantor celebra com shows os 40 anos do disco de sucesso: ‘As gravadoras contestavam um inglês cantando em português’

Foto: Gal Oppido
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Desanimado com as portas que não se abriam para sua música, o cantor e compositor Ritchie já pensava em percorrer os subúrbios do Rio de Janeiro para vender fitas cassetes de seu trabalho.

“Primeiro, as gravadoras contestavam o fato de um inglês cantar em português, o que poderia não ser bem recebido pelo público”, lembra o músico em entrevista a CartaCapital. Quando conseguiu superar esse obstáculo, outro apareceu no caminho.

A faixa de trabalho do primeiro disco solo de Ritchie seria Voo de Coração. “Mas quando apresentei (à gravadora) Menina Veneno mudaram de ideia”, rememora.

A canção, no entanto, tinha um problema: durava quase cinco minutos. Portanto, fora dos padrões para execução de rádio, com seus três minutos – e olhe lá.

“Ao contrário de todas as expectativas da gravadora e de regras e fórmulas, Menina Veneno acabou estourando. Essa questão de ser uma música longa acabou trabalhando a nosso favor, que trouxe uma sonoridade nova”, afirma.

Os solos maiores que o convencional na abertura e no final da canção eram usados pelos locutores de rádio para “falar por cima” ou dar alguma informação com a música em execução.

Ritchie conta que Menina Veneno se alastrou organicamente pelas rádios antes mesmo de gravadora lançá-la oficialmente. Tudo porque alguns poucos divulgadores, como de praxe, fizeram testes em emissoras selecionadas para sondar a aceitação da canção pelo público.

Após a execução em uma rádio de Fortaleza, o telefone não parou de tocar na emissora pedindo bis. Foi o rastilho de pólvora.

A música estava prevista para sair em abril, mas devido à repercussão positiva foi lançada imediatamente após o carnaval daquele 1983, no formato de compacto simples (que seria o single hoje).

Por causa da correria, a gravadora usou no compacto a capa que Ritchie havia montado com a ajuda de amigos – incluindo o pintor Carlos Vergara -, já pensando no seu plano de vender seu trabalho por conta própria nos subúrbios do Rio.

A música foi um estrondoso sucesso e a gravadora deu toda a moral para Ritchie lançar um LP em junho daquele ano. Nascia então o álbum Voo de Coração, que, além de Menina Veneno, contou com outras canções que se tornaram sucesso, como a própria faixa-título, A Vida Tem Dessas Coisas, Casanova e Pelo Interfone – todas compostas por Ritchie e Bernardo Vilhena.

O cantor atribui parte do sucesso do disco Voo de Coração aos músicos da gravação, que incluíam Liminha no contrabaixo, Lulu Santos na guitarra, Lobão na bateria (estes dois já haviam integrado com Ritchie o grupo Vímana), além do tecladista de formação clássica de piano Lauro Salazar e a participação do guitarrista Steve Hackett (ex-Genesis) na faixa-título.

Ritchie conheceu Liminha (que tocava nos Mutantes), acompanhado de Rita Lee, em Londres, em uma gravação de sua banda. Na ocasião, Liminha o convidou para ir ao Brasil. “Vim para cá passar três meses e acabei ficando 50 anos”, diz o cantor, que chegou ao Brasil em 1972 e nunca foi embora.

O inglês elogia as letras de Bernardo Vilhena no disco. “O Bernardo criou músicas compreensíveis em vários níveis”, destaca. Segundo ele, Menina Veneno pode ser entendida como uma canção de amor.

Mas a inspiração foi de anima, um dos arquétipos da teoria de Jung. “São figuras que a gente sonha, que, na verdade, são nós mesmos”, ressalta. O trecho “seus olhos verdes no espelho brilham para mim” é um dos versos que remetem a essa explicação.

Para Ritchie, a letra “é um sonho, um delírio, e a mulher só aparece no delírio dele”. Mas há outras ideias aleatórias inseridas na composição.

Bernardo Vilhena, quando fazia a música no apartamento de Ritchie, acrescentou o verso “eu ouço passos na escada, eu vejo a porta abrir” porque, no momento em que compunham, a filha do inglês, então com 2 anos, havia subido a escada e aberto a porta para acessar o quarto onde estavam.

Ritchie integra a geração do pop-rock nacional dos anos 1980. Embora tenha lançado outros álbuns, que tiveram músicas de êxito, como A Mulher Invisível e Transas, o cantor nem de longe obteve o sucesso do disco de estreia.

O músico acredita que as grandes gravadoras começaram a se incomodar com o crescimento do pop-rock nacional, que rivalizava com o pop-rock americano e o inglês, em franco crescimento e em busca de mercados como o Brasil.

Esse seria um dos motivos de no final dos anos 1980 o gênero com a marca brasileira já não ter a força do começo da década. Além disso, o foco das gravadoras no pagode e no sertanejo tirou da cena principal o pop-rock.

“Os cantores do pop-rock nacional foram jogados ao ostracismo. A MTV não nos aceitava porque era brega”, aponta. A abertura do canal de TV no Brasil revolucionou a indústria da música. “Consegui manter a bola no ar precariamente (com algumas músicas) em novelas e minisséries. São 13 ou 14 músicas em novela que eu tenho.”

O cantor e compositor agora retorna aos palcos com o show A Vida Tem Dessas Coisas, para comemorar os 40 anos de lançamento do seu álbum Voo de Coração. Obviamente não faltarão todos os sucessos da carreira, além de um passeio nos 10 álbuns que lançou no Brasil.

A turnê começa pelo Rio de Janeiro, em 11 de agosto, no Vivo Rio, e dois dias depois será a vez de São Paulo, no Espaço Unimed. Na sequência, ele irá a outras cidades do País.

Os shows prometem ser grandiosos, com produção cuidadosa. Ritchie diz que um novo público passou a ouvir suas canções e agora terá a oportunidade de conhecer seu trabalho no palco. “O espetáculo refletirá a modernidade”, garante.

Assista à entrevista de Ritchie a CartaCapital na íntegra:

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