Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Pobre e sem estudo, Cartola lançou seu 1º disco há 50 anos, uma obra-prima da música brasileira

Cantor e compositor apresentou seu primeiro álbum aos 65 anos, um registro histórico de força poética e refinamento melódico

Foto: Reprodução
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Cartola já tinha músicas gravadas por vários intérpretes, mas não alimentava mais a esperança de registrar suas próprias composições. As gravadoras não mostravam interesse naquele artista que mal terminara o ensino primário.

O governo da Guanabara havia doado um terreno na Mangueira para que o compositor construísse sua casa – e assim, aos 60 anos, com material de construção que recebeu, ele começou a erguer um imóvel com a experiência de pedreiro adquirida no passado.

Tempos depois, foi surpreendido pelo interesse de Marcus Pereira de gravar um LP. Com a produção de João Carlos Botezelli, o Pelão, e arranjos de Dino Sete Cordas, em fevereiro e março de 1974 foi finalmente gravada em disco a voz de Cartola – então com 65 anos – interpretando suas composições.

O disco, que leva apenas o nome do artista, foi registrado pelos melhores instrumentistas de samba da época: Dino, Meira (violão), Canhoto (cavaquinho), Raul de Barros (trombone), Copinha (flauta), Gilberto D’Ávila (surdo e pandeiro), Marçal (cuíca e caixa de fósforo), Luna (tamborim e agogô), Jorginho do Pandeiro e Wilson Canegal (ganzá e reco-reco).

A interpretação de Cartola é comovente, com o acompanhamento perfeitamente sintonizado com a linguagem do samba proposta por aquele personagem, um dos criadores do samba moderno e urbano nas rodas do morro e do asfalto, a partir da década de 1920, período em que ajudou a fundar a escola de samba Mangueira.

É notável como a sensibilidade de Cartola se sobressai no álbum e aflora a sua relevância histórica como compositor popular. O álbum é de uma fluidez tamanha que é possível ouvi-lo 20 vezes sem se dar conta.

Força poética e refinamento melódico marcam as 12 faixas desse trabalho impecável, em que Cartola despeja sua difícil história em tom poético.

As músicas do emblemático disco, pela ordem, são: Disfarça e Chora (Cartola e Dalmo Castelli), Sim (Cartola e Oswaldo Martins), Corra e Olhe o Céu (Cartola e Dalmo Castelli), Acontece (Cartola), Tive Sim (Cartola), O Sol Nascerá (Cartola e Elton Medeiros), Alvorada (Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho), Festa da Vinda (Cartola e Nuno Veloso), Quem me Vê Sorrindo (Cartola e Carlos Cachaça), Amor Proibido (Cartola), Ordernes e Farei (Cartola e Aluizio Dias) e Alegria (Cartola).

Muitas dessas canções viraram clássicos do samba. O trabalho é um entendimento da música do Brasil em sua forma mais pura e umbilicalmente ligada à sua formação.

O primeiro álbum de Cartola expressa a alma simples, singela, emotiva, fértil e exuberante de um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos. Um gênio!

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