Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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‘Modelo neoliberal quer afastar população dos nichos culturais’, diz sociólogo

Como exemplo, Tadeu Kaçula usa carnaval, que sofre branqueamento não pela ocupação de corpos brancos, mas pelo discurso de ruptura com a tradição

Tadeu Kaçula. Foto: Divulgação
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Em meio às discussões recentes sobre o aumento da perseguição, tentativa de apagamento e apropriação cultural de tradições de matrizes africanas no País, um dos segmentos que tem dado sinais de ruptura é o carnaval.

Um coletivo com o nome Observatório Permanente e Multidisciplinar de Combate ao Racismo no Carnaval das Escolas de Samba Paulistanas foi criado recentemente, com o objetivo de preservar a cultura das matrizes africanas nas escolas de samba da capital paulista. O grupo reúne sambistas e estudiosos ligados ao carnaval e ao movimento negro.

Tadeu Kaçula, sambista, compositor, sociólogo e doutorando em mudança social e participação política pela USP, é um dos envolvidos na iniciativa. A CartaCapital ele diz que observatório é resultado de alguns anos de debates, rodas de conversa e seminários sobre o modelo de carnaval.

“Foi notório observar a enxurrada de críticas nas redes sociais sobre o formato do carnaval do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Salvador. Tem um modelo neoliberal que quer afastar da população que está conectada a esses nichos culturais”, diz. “O Observatório quer ir além do racismo e tratar da questão do machismo, da homofobia, do etarismo, que são problemas da estrutura do carnaval e da sociedade em que a gente vive”.

Kaçula lembra que as escolas de samba são conhecidas como espaço de aquilombamento e de acolhimento. “É importante mostrar para a sociedade que não é só a questão cultural. A escola de samba traz temas importantes para fazer esse enfrentamento. As escolas trazem a questão das inquices e dos orixás para desmistificar o racismo religioso e a história do que foi os quase 400 anos de escravização de africanos no Brasil”.  

O sociólogo e estudioso da cultura afro-brasileira explica que existem “três rodas cosmológicas de dimensões de resistência da população negra no Brasil: os candomblés, as capoeiras e o samba”.

As três rodas estão integradas e obedecem a uma lógica de organização social, cultural e política que fundem em nichos de sociabilidade, como as escolas de samba.  

“Quando se tem ruptura de narrativas desse fundamento acaba-se descaracterizando e obedecendo a ordem neoliberal que pensa apenas no capital”, acrescenta. “Não tem problema que transformem em nichos de negócios, mas que se mantenham as tradições, as narrativas que compõem essa cosmologia”. 

Para Kaçula, essas rupturas trazem uma leitura de branqueamento do carnaval, que “não está colocado por conta de corpos brancos que ocupam esse espaço, mas sim pelo fator narrativo, discursivo, dialético, que rompe com as tradições que é o carnaval. Não há como não ter uma escola de samba sem conexão com as matrizes africanas”. 

O Observatório aponta o branqueamento em posições de decisão nas escolas de samba e na organização dos desfiles. “O carnaval está indo para um caminho que nos preocupa”, avalia. “É importante ressignificar este lugar sem desconectar do interesse do capital porque o capital contribui para as famílias que dependem da cadeia produtiva em que está inserida o carnaval”.

Assista a íntegra da entrevista:

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