Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Marcelo D2: ‘Vivemos a revolta da classe média branca fascista e racista’

Rapper lança projeto em que se aprofunda no samba e diz que está no caminho sem volta para o gênero

Foto: Divulgação
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A fusão do rap com o samba não é novidade no trabalho solo de Marcelo D2. Mas, desta vez, o rapper vai mais a fundo no gênero. “A ideia do projeto novo é cantar mais samba e menos rap. Pensar o rap mais como sonoridade mesmo”, diz em entrevista a CartaCapital. “É quase o inverso que eu vinha fazendo: cantava o rap em cima de samba e agora canto o samba em cima da base do rap”.

No aprofundamento no samba há referências diretas à ancestralidade. “O trabalho não tinha como não mergulhar no terreiro, nos afro-sambas”, afirma.

O projeto prevê o lançamento de um álbum com o nome de Iboru ainda neste primeiro semestre – já foi lançado um single – e shows que têm o nome de “Marcelo D2 e um Punhado de Bamba”, uma referência a um dos álbuns de Bezerra da Silva, sambistas que já foi homenageado em disco por D2.

As apresentações – uma já ocorreu no Circo Voador, no Rio de Janeiro, e nos dias 2 e 3 de fevereiro é a vez de São Paulo, na Casa Natura Musical – contam com a formação clássica de músicos de samba (inclusive com pastoras) e programações eletrônicas, e ainda um paredão de caixas de som – este último ficou conhecido a partir dos bailes funks nos anos 1990. 

“A minha ideia é de uma roda de samba sentada em frente ao sound system”, conta. “O paredão representa esse grave, que a cultura hip hop trouxe. Quero colocar esse grave mais dentro do samba”.

Marcelo D2 indica que o novo projeto é o seu futuro musical. “Agora tem esse caminho sem volta para o samba. É mais sobre a minha carreira do que sobre o disco. Ele tem a ver com o que vem pela frente. Essa busca do novo som, coisa que eu fiz no final dos anos 1990 e começo dos 2000”, comenta. Vale lembrar que em 2003 o artista lançou o álbum À Procura da Batida Perfeita, em que fundiu com maestria as raízes do samba com o rap, tornando o disco um clássico da música brasileira.

O novo álbum, segundo ele, é o que talvez tenha mais conexões entre as faixas. “O samba regeu em todos os níveis que têm, do Cacique de Ramos ao Recôncavo Baiano, terreiro de candomblé, passando por escola de samba. É um disco homogêneo em termos de sonoridade”, afirma. 

O disco, com músicas autorais, clássicos do samba e recentes, é produzido por Kiko Dinucci, que traz a proposta do novo samba, e Nave, que carrega o rap e o grave que D2 se refere. Mario Caldato Jr. finalizou a produção. “É o momento de uma nova sonoridade. Abriu-se muitas portas essa sonoridade, como abriu lá atrás que dava pra fazer rap com samba”, explica. 

O primeiro single lançado do álbum tem o nome de Povo de Fé, escrita por ele e Luiz Antonio Simas. A música tem a proposta do samba ancestral, mas também do momento em que o país está passando.

“Somos influenciados muito pelo o que está a nossa volta. Povo de Fé é uma busca minha da religiosidade, que fiquei afastado por mais de 30 anos da minha vida. Perdi minha mãe há pouco tempo. A morte dela me aproximou mais da religiosidade”, diz. “Os tambores no samba e as religiões de matriz africana sempre caminharam juntos. Essa coisa da família tem muito a ver com o samba. Quero muito mais neste momento um trabalho que me leve ao encontro com a minha família. A gente teve esses valores familiares tão deturpados ultimamente”. 

Povo de Fé nasceu de uma apresentação na internet de Mateus Aleluia. D2 conta que assistia a sua live e ele a abriu repetindo a expressão povo de fé três vezes. “Marcou tanto essa fala dele, me emocionou. E somos realmente um povo de fé. Escrevi a letra a parti dessa fala de Mateus Aleluia”.

Marcelo D2 diz que a resistência continua. “O Lula venceu a eleição, mas não quer dizer que essa corja fascista vai sumir do mapa. É a revolta da classe média branca fascista e racista. Então, a gente vai ter que continuar lutando”. 

O músico ressalta que ficou surpreso com os atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro porque imaginava um reerguimento mais rápido do país. “Mas tem um momento bonito agora. A gente tem representatividade nesse governo. Posso falar de cultura com (a ministra) Margareth Menezes. Talvez seja o momento de todo mundo participar. Está na hora de colocar a cara. Resistência é isso. Nunca foi fácil, não vai ser agora”, finaliza.

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