Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
Livro detalha história da música brasileira do cateretê ao som cabareteiro
São dois volumes que apresentam músicos e gêneros desde o século XVI até a encruzilhada que se encontra hoje a indústria
O primeiro volume publicado de História da Música Popular Brasileira: Sem Preconceitos: Dos Primórdios, em 1500, aos Explosivos anos 1970 (Editora Record; 574 páginas), do pesquisador Rodrigo Faour, começa com o encontro entre portugueses catequizadores e indígenas.
Desse primeiro colóquio surge a dança do cateretê, que depois terá papel central na formação da música caipira. No século XVI, a música era essencialmente ouvida nas igrejas, além das manifestações nativas já existentes antes mesmos da invasão de Portugal.
A exata contribuição indígena à música brasileira ainda é pouco conhecida pelo fato dos povos originários não aceitarem a interferência dos brancos no seu modo de vida – muito menos se submeterem às ordens deles.
Já os negros escravizados que aqui aportaram e seus descendentes formaram grupos musicais em igrejas e também em outros espaços da classe branca e, de forma sofrida, criaram sementes para mostrar a relação visceral com a música – representação esta que significaria posteriormente uma das grandes contribuições africanas ao País.
A primeira metade do século XX caracteriza-se pela formação da música brasileira como conhecemos atualmente, com seus mais variados gêneros. Nessa época, a indústria também finca o pé e o rádio mostra seu imenso poder de influência de difundir canções e intérpretes.
O segundo volume, lançado semanas atrás, com o título História da Música Popular Brasileira: Sem preconceitos: De fins dos Explosivos Anos 1970 ao Início dos Anos 2020 (Editora Record; 630 páginas), também de Rodrigo Faour, trata a segunda metade dos anos 1980 como o período de mudança crucial na indústria.
Naquela década perdida, em vez de investimento de longo prazo, gravadoras passaram a buscar o retorno financeiro imediato baseado num período de consumo exacerbado no País, de alta inflação e fim dos projetos de longo prazo.
A trilha de novela como elemento central para exposição de trabalhos a partir dos anos 1970 mostrou a força da Globo em revelar e “fabricar” talentos. O livro retrata cada intérprete e suas composições que tiveram os programas de televisão como meio essencial para o sucesso.
Unicultura musical
Nesse tempo, o sertanejo abre caminho em meio ao brega-romântico da MPB dos anos 1980. O gênero tornou-se uma potência – com apoio maciço do agronegócio nos últimos tempos devido à estética próxima, revelando o poder que se chegou à indústria da música.
A distribuição naquela época de quase mil concessões de rádio pelo País como moeda de troca de apoio ao então governo Sarney institucionaliza em definitivo o jabá (pagamento a emissoras de rádio para execução de uma determina música ou artista).
Tira-se parcialmente de circulação estilos musicais de harmonia, melodia, poesia e arranjos mais elaborados, como relata o livro de Faour, trocados por ritmos de harmonias simples e letras simplórias – não seria grave esse último não fossem eles dominados por um repertório cabareteiro (para usar um termo amplamente utilizado na obra) e vulgar, estabelecendo-se uma unicultura musical predominante.
Os volumes da obra transcendem aos movimentos da música conhecidos na Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e percorre todo o Nordeste, como o ainda desconhecido som do Maranhão, além do Pará e o Rio Grande do Sul. As manifestações culturais têm também espaço nos volumes, expondo os elementos matriciais da nossa cultura.
O livro detalha os compositores e músicos e suas composições em nível digno de uma grande enciclopédia. É um trabalho de pesquisa denso de Rodrigo Fauor em que deságua na era da internet, que democratizou a música, mas quem se sobressai, por vezes, precisa gastar vultosos investimentos para “agradar” os algoritmos das Big Techs e impulsionar seu trabalho nas redes.
Os dois volumes são imprescindíveis para entender a música popular brasileira em todos os seus meandros com seus essenciais personagens. Um trabalho fenomenal e providencial material de pesquisa.
Um minuto, por favor…
O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.
Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.
Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.
Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.
Assine a edição semanal da revista;
Ou contribua, com o quanto puder.