Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Jairo Pereira: ‘Falar sobre opressão é um fardo necessário. A gente sente na pele’

Músico lança terceiro álbum com reflexões sobre racismo e expressões de afeto

Foto: Prehto/Divulgação
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O terceiro disco solo de Jairo Pereira, integrante-fundador da ótima banda Aláfia, carrega fortes sentimentos pessoais. Desde o primeiro álbum, Mutum (2017), Jairo propõe pautas de crítica social e espiritualidade. O segundo disco, Venha Ver o Sol (2019), a partir um momento complicado.

“Havíamos acabado de sair de um processo doloroso de eleição, repleto de desgastes, conflitos. Vi muitas amizades caírem em depressão, brigas entre famílias, apartes duros”, lembra. “Um presidente que calçou sua eleição no racismo, machismo, lgbtqia+fobia, e a jogar lenha na fogueira da intolerância e da barbárie”.

O disco então busca transformar o sentimento conturbado daquele momento em alívio. “É um disco de fato solar, de manter a cabeça erguida, da importância de se amar, de questionar o romantismo enquanto plataforma de educação eurocêntrica, branca e patriarcal. Reflete sobre liberdade, sobre carinho, afago, sobre um futuro possível, em que a ancestralidade preta se faça presente de forma pontual e não marginal”.

Empoderamento social e estético

Agora, surge Monocromático, gestado em meio à pandemia com isolamento, mortes, perda de familiares e amigos, o descaso do governo e também vida pessoal complicada.

“Para mim, não tinha como ignorar tudo que eu estava atravessando, as neuras, frustrações, acolhimentos, pequenas alegrias cotidianas”, afirma. “O álbum é uma coleção de brisas, reflexões, buscas, conflitos e devaneios adquiridos nesse período”.

Sobre os temas de racismo e opressão tratados no novo trabalho, o artista ressalta a importância de expressá-los. “Falar sobre opressão é um fardo necessário porque a gente sente na pele, está no espelho, no prato, no dia a dia”, diz. “Nosso empoderamento político, social e estético está tendo como resposta um levante, um avivamento romântico colonial, onde o branco criado pra ser colonizador, senhor, dono, provedor e benevolente, visa restaurar seu poder”.

Para Jairo, o governo atual legitima o direito ao ódio, ao privilégio e de questionar a democracia em nome de Deus. “É um tema que me faz feliz? Certamente não, porém, a cada vez que alguém chega perto de mim e diz ‘nossa mano, não tinha pensado sobre isso’, entendo o quanto é importante, o quão temos que continuar lutando”, comenta. O músico diz que tem outras coisas também a dizer e procura encontrar esses lugares. “Busco celebrar o legado de meus ancestrais, mantendo os punhos erguidos e gingando”.

Africanidade

Das 12 faixas do álbum Monocromático, duas são interlúdios. O primeiro, que abre o disco, a filha de Jairo recita Marrom e exalta o povo preto. “Minha infância foi marcada por muito racismo, de colegas, professores, pessoas adultas, pais e mães de aluno”, lembra. “É triste, porém compreensível, quando nos deparamos com uma pessoa preta que não se ama devido ao sofrimento agregado à cor de sua pele e origem, exatamente por não haver quem lhe dissesse o contrário e mostrasse outra perspectiva”.

O músico diz não querer que a filha passe pelos maus bocados que enfrentou na vida. “Mas não depende de mim. Busco nutri-la com a certeza do que ela não é, para que não acredite no racismo, para que o identifique e o desqualifique de sua existência”. 

O segundo interlúdio, Enquadro, interpretado por um velho amigo do músico, Marcão, é uma poesia inspirada em conversas entre eles. “Em Enquadro, há um pai preto preocupado com a perpetuação destas violências físicas e psicológicas”. 

O novo disco tem forte referência sonora do rap e também da black music. Jairo conta que o rap nacional dos anos 1990 é a sua escola, coexistindo com artistas, como Itamar Assumpção, Maria Bethânia, Candeia, Cassiano, Luiz Melodia, entre outros.

“Hoje entendo, na prática, o quanto nossas manifestações culturais vêm de longe. A dança sempre fez parte de nossas cerimônias, fosse para amar, festejar, para guerrear”, declara. “Tenho comigo que é a pulsação dessa diáspora, a forma de nos mantermos de pé, seja no funk, no samba, no jazz, no reggae, no afrobeat”.

O grupo que ajudou a fundar, o Aláfia, é rico dessas referências citadas pelo músico. “Trazer a africanidade para o primeiro plano, evocar nossa ancestralidade. Minha arte é ritualística. É dança, é grito, é canto, é choro, é coro, é corpo e alma”, expõe. “Rimamos amores, cantamos o cotidiano e dançamos, para firmar o ponto, espancando a dor na batida do tambor. Esse é o espírito da música preta”.

Monocromático, já disponível nas plataformas de música, é um trabalho denso. Com produção de Gabriel Catanzaro e participação dos músicos DJ Will, Thata Vieira (percussão), Dudu Tavares (guitarra), Fernando César (teclado) e Marina Afares (vocal), trata-se de um disco enérgico e marcante. O álbum chega também em formato audiovisual.

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