Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Documentário exalta o groove de Gerson King Combo no soul brasileiro

Cantor participou do perseguido movimento da black music no País

Foto: Divulgação
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O documentário Gerson King Combo – O Filme, lançado neste ano e agora disponível gratuitamente no Itaú Cultural Play, é mais uma evidência de que a black music sofreu perseguição, jogando muitos artistas do movimento para escanteio.

O longa-metragem de David Obadia é parcialmente ambientado em Madureira, zona norte do Rio de Janeiro, onde Gerson King Combo nasceu, cresceu e passou os últimos anos de sua vida, até morrer, em 2020, aos 76 anos, por complicações da diabetes. O próprio protagonista narra sua história e mostra suas vivências a partir do bairro.

No aspecto musical, não há dúvida sobre a contribuição desses artistas da black music brasileira, a partir dos anos 1960, para um padrão rítmico nacional mais “swingado”. No filme, as cenas de Gerson Combo no palco, principalmente aquelas extraídas de uma gravação em que comemora com um show seus 70 anos, revelam essa face de maneira contundente e exuberante.

O depoimento de Fernando Abreu no documentário sintetiza bem isso: “Como sempre, aquela galera da black music tinha arranjos fantásticos, as melhores linhas de baixo, os grooves mais bacanas, possantes e venenosos”.

Mas aquele universo, que se equilibrava não somente no soul, mas também no samba rock, foi marcado por intimidações, notadamente nos anos 1970, período em que os encontros com música para o público negro se proliferaram no Rio e em São Paulo. Foi justamente naquela época que Gerson King Combo viveu seu período de sucesso.

DJ Malboro, fundamental para a criação do funk carioca, proferiu uma declaração bastante esclarecedora no filme: “O pessoal pegou as influências do soul black internacional e começou a fazer as músicas nacionais cantadas em português. Depois veio essa repressão dos militares por conta da concentração de jovens (nos bailes de black music) que acontecia no final de semana no subúrbio. Podia ali alguém levantar uma bandeira política e daí a guerra”.

“Naquela época do governo militar, se achava que podia acontecer alguma revolução, aparecer um líder. Acabaram perseguindo várias equipes de som (que promoviam os bailes), desmontando vários clubes.”

Por certo, aquele governo fez um paralelo imediato entre os acontecimentos no subúrbio (que tinha muita música americana e expressões em inglês) e o movimento negro nos Estados Unidos, com o surgimento de vários líderes, o que acabou conduzindo a uma repressão aqui.

Gerson King Combo, como outros da black music brasileira, foi prejudicado por essa perseguição institucional (ainda que velada), levando o movimento a também sofrer boicote da mídia e da indústria da música e do entretenimento. O cantor e compositor saiu de cena e chegou a trabalhar com pessoas com deficiência, como mostra o documentário.

Posteriormente, nos anos 2000, o artista retornou, mas já atuando em nichos, não mais para o grande mercado.

Gerson King Combo – O Filme é também um recorte audiovisual de nosso racismo estrutural, e os depoimentos no documentário, de Elza Soares a Max de Castro, convergem para isso.

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