Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Álbum reúne a riqueza do jongo e preenche uma lacuna na história da música

Músico-pesquisador junta 32 cânticos de dois quilombos do antigo Vale do Café e produz uma obra essencial da tradição afro-brasileira

Foto: Bruno Veiga/Divulgação
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Os quilombos de São José e de Pinheiral chamaram a atenção de Marcos André por reunirem um número expressivo de pontos – ou cânticos – de jongo, com riqueza melódica e poética.

Músico-pesquisador da tradição há quase 30 anos, André resolveu uni-los no álbum Jongo do Vale do Café, disponível nas plataformas digitais de música a partir deste sábado 23.

Trata-se de um trabalho que preenche uma lacuna importante da música brasileira, que pouco insere a importância dessa tradição afro-brasileira na história.

“Procurei criar um repertório com melodias e temáticas muito diversas, para que pudesse mostrar um panorama muito amplo do jongo, tendo um cuidado enorme de fazer um roteiro bem diversificado, alternando andamento, melodia e cantores”, explica.

O registro foi feito com uma estrutura montada no Quilombo São José, ao ar livre, com mais de 40 cantores e percussionistas e com dois tambores centenários de tronco escavado: o caxambu e o candongueiro. A gravação consegue captar o jongo na sua característica original de maneira admirável.

O carioca Marcos André é ligado ao jongo do morro da Serrinha, em Madureira, no Rio de Janeiro, e chegou ao movimento em 1995 pelas mãos do inesquecível mestre Darcy. Ele também contou com jongueiros de lá no registro do disco, e a direção musical é dividida com o percussionista Thiago da Serrinha.

Ele explica, porém, que o jongo dos quilombos de São José e de Pinheiral (localizados no interior do Rio de Janeiro), onde foram recolhidos os cânticos para o álbum, é de “raiz”, ao contrário daquele da Serrinha, que tem inserções musicais modernas para torná-lo “mais palatável” no centro urbano.

“Quando conheci o Quilombo São José, em 1997, em Valença nem luz elétrica tinha. O jongo é primitivo na comunidade”, ressalta. “O jongo nasceu no Brasil. Ele tem influências de Angola, mas nasceu nas fazendas de café. Faltava um álbum que mostrasse o jongo na sua origem.”

Foram gravados 100 pontos, mas 32 foram inicialmente reunidos no álbum agora lançado. Somente no Quilombo Pinheiral o pesquisador conta que foram levantados mais de 200 pontos de jongo centenários, transmitidos oralmente.

As duas comunidades quilombolas representadas no álbum têm escolas de jongo e museus sobre a tradição. Seus mestres e suas mestras costumam difundir a cultura afro-brasileira para além dos quilombos.

Marcos André acha que existe uma grande omissão na história sobre a influência do jongo na música brasileira. “O jongo é considerado pai de samba carioca, junto com os elementos que vieram da Bahia”, diz.

O pesquisador avalia que o fato de o jongo ter um aspecto místico muito forte e “secreto” criou certo receio dos pretos-velhos do Vale do Café de expor a tradição. Isso acabou concentrando as “narrativas” na influência baiana sobre o samba carioca.

“A questão do improviso do samba, que é o partido alto, nasceu na roda de jongo, assim como a cuíca”, argumenta Marcos André.

O início de outubro marcará o lançamento de um site com o encarte do álbum e as origens do jongo no antigo Vale do Café, situado na região do Médio Rio Paraíba, além de sua relação com o samba na sua origem. O projeto pode ser acompanhado neste link.

O músico relata que os primeiros moradores de algumas comunidades e fundadores de escolas de samba no Rio saíram de cidades do Vale do Café. “São jongueiros que vieram para cá”, afirma. Um dos maiores exemplos é Clementina de Jesus, jongueira e sambista nascida em Valença.

Para Marcos André, o álbum é o começo de uma valorização do patrimônio material e imaterial dessas comunidades quilombolas.

O álbum Jongo do Vale do Café, viabilizado por meio de leis de incentivo municipal e estadual do Rio de Janeiro, por seu resgate da cultura, além de sua ótima execução e sua qualidade técnica, entra na lista de um dos melhores registros fonográficos do ano. Trata-se de um trabalho essencial.

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