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Análise: Nada mais velho do que a “nova política”

Witzel, afastado do cargo, simboliza o engodo da ‘renovação’. E há ainda as falcatruas do MBL e dos deputados bolsonaristas

(Foto: MAURO PIMENTEL / AFP) (Foto: MAURO PIMENTEL / AFP)
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O ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, mirou na cabecinha de Wilson Witzel. O magistrado determinou o afastamento imediato do cargo do governador do Rio de Janeiro, que enfrenta um processo de impeachment por causa das denúncias de desvios de recursos do combate à pandemia do coronavírus.

 

vários mandados de busca e apreensão e ordens de prisão de Lucas Tristão, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico, Sebastião Gothardo Neto, ex-prefeito de Volta Redonda, e do Pastor Everaldo. Presidente do PSC, partido do governador, Everaldo é aquele que, inspirado por João Batista, batizou nas águas do Rio Jordão Jair Bolsonaro, o Messias brasileiro. João Batista, o original, teve um fim trágico. Sua cabeça foi servida em uma bandeja a Herodes Antipas.

Witzel é, ou era, o mais vistoso símbolo da “nova política”. Três semanas antes do primeiro turno das eleições de 2018, o candidato mal aparecia no radar dos institutos de pesquisa e a maioria dos eleitores fluminenses era incapaz de pronunciar seu sobrenome. Ninguém percebeu o tsunami no horizonte, formado pelos disparos em massa de Fake News nas redes sociais e da manipulação dos sentimentos mais básicos da população.

O juiz soube surfar a onda. Participou entusiasmado do “ato” de destruição de uma placa com o nome da vereadora Marielle Franco, fez juras de amor a Bolsonaro, transformado em inimigo um ano depois, e clonou o discurso de combate à corrupção em voga. Ao assumir, sobrevoou uma escola na favela com uma metralhadora e comemorou o abate de um sequestrador em um ônibus. Inebriado pelo poder, passou a sonha com a presidência da República, motivo de seu rompimento com o ex-capitão, antes de apresentar uma única ideia para resolver os problemas do estado. Enquanto jogava para a plateia, indicam as investigações, o governador fomentava uma quadrilha para desviar dinheiro da Saúde. Seus 20 meses na administração só pioraram a situação falimentar do estado, para desespero de quem votou e de quem não votou nele.

Os miolos de Witzel não são, porém, os únicos expostos em praça pública. Em Santa Catarina, o governador Carlos Moisés da Silva, do PSL, também irá enfrentar um processo de impeachment na Assembleia Legislativa. Silva é acusado de crime de responsabilidade por ter autorizado reajustes ilegais aos procuradores do Estado. A comissão de deputados que irá analisar a denúncia foi formada na terça-feira 25. Sua trajetória é muito parecida com aquela do colega do Rio. Surgiu do nada, ligado à campanha de Bolsonaro, de quem se afastaria em seguida, que colheu cerca de 70% dos votos catarinenses. Não se sabe de uma inovação implementada pelo pesselista em um ano e oito meses de mandato.

Em outros tempos, o descalabro do governo Witzel fomentaria a indignação do Movimento Brasil Livre, um dos responsáveis por salvar o País da corrupção e do comunismo. Ops, infelizmente o MBL está impedido de se manifestar nestes casos. Em julho, uma operação policial prendeu dois empresários ligados ao movimento. A dupla é acusada de operar uma enorme e sofisticada lavanderia de dinheiro que teria desviado no mínimo 400 milhões de reais. O MBL, aponta o Ministério Público de São Paulo, recebia “doações de forma suspeita” por meio de “cifras ocultas” em uma “confusão jurídica empresarial” com o Movimento Renovação Liberal, o MRL, registro legal do grupo. Não surpreende. Renan Antônio Ferreira dos Santos, um dos fundadores do MBL, “homem de bem”, é réu em 16 ações cíveis e 45 processos trabalhistas. As acusações vão de fechamento fraudulento de empresas a calotes em pagamento de trabalhadores. O valor se aproxima de 5 milhões de reais.

A apuração do Ministério Público talvez esclareça a origem dos financiamentos do movimento, que surgiu do nada, explodiu nas redes sociais e virou uma máquina de difamação montada para insuflar os protestos contra Dilma Rousseff. Só muito dinheiro para transformar meia dúzia de imberbes em heróis da República “contra tudo o que está aí”.

Em Brasília, os neófitos que subiram a montanha nas costas de Bolsonaro até o Congresso, entre eles as “combativas” deputadas Bia Kicis e Carla Zambelli, terão de explicar ao Supremo Tribunal Federal se desviaram dinheiro público, das cotas dos parlamentares, para financiar os protestos antidemocráticos e a distribuição de fake news contra ministros do STF.

Para não cansar o leitor, resumo a lista de suspeitas e malfeitos do presidente e seu clã a uma pergunta: Bolsonaro, por que a sua esposa recebeu 89 mil reais de Queiroz?

Está na hora dos brasileiros desconfiarem de quem une as palavras nova e política em uma mesma expressão. O histórico é lamentável. A modernização trabalhista, industrial e social do Brasil se deu sob a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas. A República Nova foi um período conturbado, marcado por várias tentativas de golpe, no fim bem-sucedido em 1964. A Nova República, após a ditadura, desaguou no fracasso do governo José Sarney e na eleição de Fernando Collor. A esperança, no Brasil, é a primeira a morrer.

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