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Novas políticas sobre drogas no Brasil: vamos avançar ou retroceder?

É urgente que o Brasil repense sua legislação sobre drogas para evitar mais violência e um aumento no encarceramento

Alcolumbre em sessão da CCJ no dia 13 de março de 2024. Reunião aprovou PEC das Drogas. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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Na última terça-feira, 16, o Senado aprovou uma proposta de emenda à Constituição que criminaliza a posse de qualquer quantidade de substâncias consideradas ilegais. A proposta, que ainda precisa ser aprovada pela Câmara, coloca o Brasil na vanguarda do atraso no continente e em desacordo com a visão de organismos internacionais.

Reina no imaginário popular brasileiro a ideia de que vivemos no “país da impunidade”. Quando o assunto é a política criminal, isso não faz sentido – ao menos, a depender dos crimes analisados. No caso dos homicídios, por exemplo, a média anual, no ano de 2019, foi de 40 mil pessoas mortas, mas apenas 37% dessas mortes geraram um processo judicial no ano seguinte, de acordo com o Instituto Sou da Paz.

A edição mais recente do Anuário Brasileiro de Segurança Pública contabilizou mais de 670 mil detidos no sistema prisional, sendo os delitos que mais encarceram, nesta ordem: crimes contra o patrimônio (40%), tráfico de drogas (29%) e homicídio (10%). Cerca de um terço destas pessoas aguardam julgamento sem condenação judicial.

É importante analisar a política sobre drogas no país a partir da vigência da Lei nº 11.343/06. Esta lei, foi tida como avanço democrático em relação à Lei nº 6368/76, fruto do contexto de ditadura militar no país, que vigorou por 30 anos, prevendo repressão para traficantes, com penas 3 a 15 anos de reclusão, e também, em alguns momentos, pena de 6 meses a 2 anos de detenção a quem portasse drogas para consumo pessoal. Essa lei aboliu, em teoria, a pena de prisão para usuário, considerando, no artigo 28, o porte para consumo próprio crime de menor potencial ofensivo, prevendo medidas como prestação de serviço, comparecimento em curso e medidas educativas.

Contudo, a legislação tornou-se mais rigorosa para quem é condenado por tráfico de drogas (art. 33), estabelecendo a pena mínima em 5 anos e a máxima em 15 anos. No entanto, a lei não estabelece critérios claros para distinguir entre usuários e traficantes. Isso deixa a decisão frequentemente nas mãos do policial que realiza a patrulha, que deve avaliar as circunstâncias do caso, como o local da ocorrência, a natureza e quantidade da substância. Essa análise, porém, não inclui considerações sobre as condições sociais do indivíduo, entre outros fatores importantes.

Este é o grande dilema: num país marcado por estruturas sociais racistas, altas taxas de desemprego e analfabetismo, essas características são refletidas nos padrões de aprisionamento. Segundo uma pesquisa do IPEA, 30% dos homens e 60% das mulheres encarcerados foram detidos por tráfico de drogas. A maioria das detenções ocorreu em vias públicas, sem investigações prévias, e o perfil predominante desses presos é de pessoas negras, jovens, com baixa escolaridade e renda. No momento da prisão, eles não portavam armas e muitos alegaram que as drogas eram para consumo pessoal. Essa realidade contribuiu para o hiperencarceramento e fortaleceu organizações criminosas envolvidas na produção e no comércio de substâncias ilícitas, tanto dentro quanto fora das prisões.

Neste contexto, em 2015, um caso emblemático chegou ao Supremo Tribunal Federal. Trata-se de um jovem negro e de baixa renda que já estava preso e foi condenado por portar 3 gramas de maconha. A Defensoria Pública contestou a decisão. Em resposta, o STF decidiu atribuir repercussão geral ao caso para discutir a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/06, que trata do porte de drogas. A corte analisa se o Estado tem o direito de punir alguém por um comportamento que não afeta terceiros, invadindo sua vida privada e intimidade.

O que começou como uma tentativa prática de alinhar uma norma à Constituição evoluiu para um debate sobre critérios objetivos, como quantidades específicas, para a descriminalização do porte de maconha. Até agora, a discussão conta com 5 votos a favor e 3 contra a declaração de inconstitucionalidade da norma. No entanto, estabelecer na prática a distinção entre o porte para uso pessoal e o tráfico de drogas ainda é um desafio. Por exemplo, se o limite de porte pessoal fosse definido como 25 gramas de maconha, isso poderia permitir a revisão das penas de pelo menos 30% dos brasileiros atualmente encarcerados nesse contexto.

Enquanto o Supremo Tribunal Federal analisa critérios para a descriminalização do porte de maconha, o cenário político e ideológico acirrado levou o Legislativo a intervir. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, liderou um movimento apoiado por membros conservadores das chamadas bancadas da bala, bíblia e boi. Ele apresentou a PEC 45, que visa proibir a descriminalização do porte de qualquer droga e estabelecer a internação involuntária de usuários, partindo do pressuposto controverso de que todo usuário de drogas é doente ou incapaz. Especialistas têm criticado essa medida, argumentando que o endurecimento das penalidades para o porte de drogas não só falha em resolver o problema, como pode agravá-lo tornando, portanto, a própria natureza desta proposta inconstitucional.

Esta postura dos parlamentares põe o Brasil na vanguarda do atraso em relação às políticas de drogas. Países como Colômbia, Estados Unidos, Canadá e Uruguai tem seguido na direção oposta, abandonando a ineficaz política de proibição e investindo na regulamentação da produção, comércio e consumo de drogas, com destaque para a maconha.

É urgente que o Brasil repense sua legislação sobre drogas para evitar mais violência e um aumento no encarceramento. Optar pela legalização da produção, comércio e consumo de maconha e outras substâncias pode ser um caminho mais eficaz, alinhado com as políticas de países que já estão colhendo benefícios sociais e econômicos dessa abordagem.

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