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No Brasil, a fome tem cor e gênero

Há mais famílias chefiadas por mulheres negras enfrentando a fome do que famílias chefiadas por mulheres brancas

Família na área rural de Guapimirim, região metropolitana do Rio de Janeiro. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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Raça e gênero são duas dimensões, no Brasil, que se entrecruzam e resultam em um efeito multiplicador de discriminação, exclusão social e fome. Em um país com maioria de pessoas negras e de mulheres, toda e qualquer política pública de combate às injustiças sociais e de insegurança alimentar deve ter perspectiva interseccional de raça e gênero embutido nas ações propostas para maximizar seus resultados.

O Brasil tem hoje mais de 33 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar – se alimentando mal ou com fome -, e boa parte delas são mulheres e pessoas negras. Os dados do recém-lançado segundo suplemento do relatório da Rede Penssan sobre insegurança alimentar e fome no país, que tem como foco as desigualdades de raça/cor da pele e gênero em relação à insegurança alimentar, são reveladores.

Há mais famílias chefiadas por mulheres negras enfrentando a fome do que famílias chefiadas por mulheres brancas (respectivamente 22% e 13,5%). Um em cada cinco lares brasileiros (20,6%) chefiados por pessoas negras está em situação de insegurança alimentar grave – ou seja, passa fome. A estatística é duas vezes maior em comparação aos lares chefiados por pessoas brancas.

Mesmo no segmento de chefes de famílias com maior escolaridade, as dimensões de raça e gênero têm seu peso: as formas mais severas de insegurança alimentar estão presentes em 1/3 dos domicílios chefiados por mulheres negras (33%) e 1/5 dos chefiados por homens negros (21,3%), enquanto em lares chefiados por mulheres e homens brancos, as proporções são menores (respectivamente 17,8% e 9,8%).

Além de conhecer a realidade e apontar os problemas, é preciso agir. Precisamos urgentemente fortalecer as políticas públicas que têm eficácia no combate à fome, como os programas de aquisição de alimentos (PAA), de transferência de renda (Bolsa Família) e o de fortalecimento da agricultura familiar (Pronaf), considerando a necessária transversalidade na construção e execução dessas políticas como fator preponderante no sucesso das iniciativas.

Combater a fome no Brasil passa necessariamente pelo combate ao racismo e ao machismo, que negam às mulheres e pessoas negras do Brasil direitos básicos como acesso a serviços sociais, a emprego, renda e moradia dignas, bem como uma alimentação adequada e saudável.

Historicamente, no Brasil, o enfrentamento à insegurança alimentar é gestado por organizações e coletivos liderados por mulheres negras, que distribuem cestas básicas em suas comunidades, fortalecem a agricultura familiar e atuam politicamente para garantir os direitos das pessoas em situação de maior vulnerabilidade no país. Poderiam fazer muito mais, com o apoio do Estado e suas políticas públicas.

Conhecemos o problema da fome no país, os caminhos possíveis para evitá-la e a arquitetura necessária para que não volte a crescer. Repetir os erros de anos recentes, em que todo o arcabouço de proteção e assistência a quem tem fome foi desmantelado, não é uma opção.

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