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Mídia e extrema-direita, um alerta para as eleições que se aproximam

Não se pode perder de vista a necessidade de aplicar a legislação já vigente sobre veículos de comunicação ‘tradicionais’, que operam sob concessões públicas

O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG). Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
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Palavras de ordem contra negros, quilombolas, mulheres e pessoas LGBTQIAPN+. Defesa da pátria e da propriedade privada. Ataques a setores progressistas genericamente identificado como “esquerdopatas” e “comunistas”. Negacionismo na ponta da língua. Esse discurso ganhou força e espaço, especialmente nas últimas duas eleições. A presença avassaladora nas redes sociais e a estratégia de potencializar as campanhas por meio do discurso de ódio nas postagens sem dúvida impulsionaram a eleição de muitos candidatos extremistas. É importante reconhecer, contudo, que a mídia tradicional (rádios, TVs, revistas e jornais impressos) também tiveram um papel importante nessa ascensão.

Para entender melhor essa conexão, vale analisar alguns dos deputados federais mais votados em 2022. Nossa pesquisa selecionou quatro deles, eleitos por partidos de extrema-direita de diferentes estados. O caso mais emblemático é o de Nikolas Ferreira(PL-MG), que aos 26 anos foi um dos mais votados do país. Filho de pastor evangélico, ele defende a família cristã, os valores religiosos… e o armamentismo. Conhecido por seu discurso transfóbico e discriminatório, ele frequentemente ataca instituições judiciais, como o Supremo Tribunal Federal, e manifesta posições negacionistas. Nikolas é um convidado regular no programa “Pânico na TV”, da Jovem Pan, e tem presença ativa em plataformas fechadas como Brasil Paralelo, além de participações na Rádio Super e no Jornal O Tempo.

A defesa de valores religiosos também vincula outro deputado federal à televisão, em uma conexão profunda que entrelaça religião e poder econômico. Silas Câmara (Republicanos-AM), pastor da igreja pentecostal Assembleia de Deus, tem familiares que controlam concessões de meios de comunicação, como a Rede Boas Novas de Comunicação. Milena Ramos Câmara, sua filha, é a principal sócia dessa rede. Silas é presença constante nos programas da emissora, que é acessível em canal aberto em várias regiões do país. Além disso, ele franqueou espaço para o então presidente Jair Bolsonaro, facilitando a disseminação do discurso de ódio institucional junto ao público evangélico da região Norte do Brasil.

Candidatos de extrema-direita também ganharam espaço em TVs e rádios falando sobre segurança, sobretudo a defesa do armamentismo. É o caso de Éder Mauro (PL-PA), policial civil, deputado federal desde 2015 e membro das bancadas “da Bala” e “da Bíblia”. Seu tom raivoso tem espaço garantido nos veículos do Grupo Liberal, o maior conglomerado de entretenimento e comunicação do estado do Pará, que engloba jornais, rádios e televisões.

A abordagem agressiva sobre temas relativos à segurança pública também é a tônica de Capitão Alden (PL-BA), deputado federal eleito em 2022 e conhecido por suas posições negacionistas, inclusive invadindo hospitais durante a pandemia da Covid-19 em seu estado natal. Ele encontrou espaço frequente na Brado Rádio, uma emissora da capital, e no Jornal Grande Bahia, com sede em Feira de Santana, que opera tanto na internet quanto em um canal local de TV aberta. Capitão Alden também marcou presença na TV da Assembleia Legislativa da Bahia, destacando o uso eleitoral de TVs públicas, um tema que merece discussão à parte.

Os casos destacados aqui ilustram como o perfil armamentista/policial e religioso se entrelaçam, dando forma a um discurso extremista que promove valores radicalmente conservadores. Geralmente, esses discursos, independentemente da intensidade de sua virulência, baseiam-se em realidades fabricadas para defender pautas de costumes, exaltar a “meritocracia”, descreditar políticas de Estado voltadas à redução da desigualdade social, e atacar movimentos sociais e as instituições.

Mesmo construídos com base em notícias falsas, esses discursos encontraram ampla difusão em rádios, TVs e jornais. Esses veículos, beneficiários de concessões públicas que deveriam servir ao interesse civil e pautar-se por rigorosa apuração e ética jornalística, falharam em respeitar esses princípios, conforme evidenciado pelos exemplos citados.

Regulamentar as plataformas digitais é, de fato, fundamental e urgente. Assim como debater os riscos que a inteligência artificial pode representar para a democracia. Mas não se pode perder de vista a necessidade de aplicar a legislação já vigente sobre veículos de comunicação “tradicionais”, que operam sob concessões públicas. Muitos desses veículos desviam-se de sua obrigação de servir ao público ao oferecer plataformas para os propagadores de ódio. Valeria a pena, inclusive, garantir a transparência do financiamento desses meios de comunicação ou de programas específicos de suas grades.

O destaque dado a Jair Bolsonaro na mídia tradicional tem até sido tema de debate, mas essa prática não se limita a ele. Brasil afora, a mesma abordagem vem elegendo parlamentares por meio da exploração da intolerância e das conexões religiosas e comerciais, sem maiores questionamentos ou preocupação com o problema. Em ano de eleições municipais, essa é uma questão ainda mais urgente. E precisa ser enfrentada, mesmo que não interesse ao sistema midiático.

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