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PEC 45 e o racismo estrutural: qual usuário o Senado quer criminalizar?

A realidade é que a PEC 45 não busca criminalizar indiscriminadamente todos os usuários de drogas, mas especificamente os usuários negros e moradores de favelas

Marcha da Maconha em Ipanema
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Quem fala em nome das pessoas usuárias de drogas em um dos países que mais mata, tortura e encarcera esse grupo?  No Brasil e na América Latina, os usuários de drogas têm uma longa história de engajamento político, desenvolvendo conhecimentos e compartilhando estratégias para combater os efeitos nocivos da proibição, que recaem desproporcionalmente sobre os mais vulneráveis: pobres, negros, indígenas, jovens e mulheres. Usuários de drogas muitas vezes enfrentam vulnerabilidade social exacerbada por racismo e desigualdades. No entanto, eles também são profissionais como advogados, médicos e arquitetos; são padeiros e vendedores, pessoas comuns que exercem seu direito constitucional de escolher livremente o que fazer com seus próprios corpos.

A PEC 45, em tramitação no Senado Federal, ameaça esse direito constitucional de escolha, fragilizando a democracia e fortalecendo a política de guerra. Ao propor a criminalização da pessoa que usa drogas, a PEC viola o direito à saúde, à liberdade, à igualdade e à segurança, na medida em que fortalece o braço armado do Estado. As recomendações internacionais da Organização das Nações Unidas sobre a descriminalização das pessoas que usam drogas são embasadas em abordagens de saúde pública e direitos humanos. Diversas agências da ONU, incluindo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, têm ressaltado a importância de tratar o uso de drogas como uma questão de saúde, não criminalizando os indivíduos envolvidos.

O Relatório Mundial Sobre Drogas da UNODC de 2023 revela que existem aproximadamente 226 milhões de usuários de drogas no mundo, dos quais menos de 13% enfrentam problemas relacionados ao uso. Esse dado sublinha a importância de investir em políticas públicas voltadas para a saúde, o cuidado e a redução de danos. As respostas das pessoas que usam drogas são fundamentadas em evidências científicas nas áreas de saúde e assistência social, e também influenciam as propostas para reparar os danos econômicos, culturais e territoriais causados pela guerra às drogas.

A realidade é que a PEC 45 não busca criminalizar indiscriminadamente todos os usuários de drogas, mas especificamente os usuários negros e moradores de favelas, que frequentemente têm menos recursos para defender seus direitos. São indivíduos que enfrentam múltiplas violações de direitos e que necessitam de cuidado, não de punição. Estas são as pessoas consideradas pelos senadores inimigas públicas que devem ser combatidas, presas ou até mesmo mortas. As pessoas negras deste país são o inimigo que o Senado quer violentar mais uma vez com seu racismo institucional.

A atual legislação sobre drogas não tem alcançado seu objetivo de proteger a vida e promover o acesso à saúde para os usuários. A polícia, o cárcere e a criminalização sempre chegam antes do acolhimento, do cuidado e do tratamento. Não conseguiremos resolver essa equação aumentando a criminalização e o encarceramento dos usuários de drogas. É essencial investir em políticas que efetivamente garantam direitos.

O Brasil acumula 30 anos de história na construção e consolidação de políticas de saúde mental, cuidado e redução de danos para pessoas que usam drogas, pautada na ética dos direitos humanos e do cuidado em liberdade. A Proposta de Emenda Constitucional 45, em discussão no Senado, representa um retrocesso significativo em relação às tendências internacionais de políticas de drogas mais liberais e baseadas em evidências. Ao contrário das recomendações da ONU e das melhores práticas adotadas por vários países, a PEC 45 suprime possíveis avanços na regulamentação e legalização das drogas.

Enquanto muitos países têm avançado na direção da descriminalização e regulamentação responsável das drogas, a adoção da PEC 45 poderia manter o Brasil distante dessas práticas mais modernas e alinhadas com os princípios de saúde e direitos humanos preconizados internacionalmente. É crucial que o governo Lula reconheça o impacto potencialmente negativo dessa proposta no cenário nacional e internacional de políticas de drogas, e que oriente o campo de senadores do governo a se posicionar para barrar esse absurdo. 

Como resposta a essa grave ameaça democrática os movimentos sociais antiproibicionistas estão se articulando contra a violação do direito constitucional à liberdade. A Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, organização que tem assento no Conselho Nacional de Política Política Sobre Drogas e reúne mais de 200 mulheres e dissidências usuárias de drogas de todo Brasil se posiciona com a radicalidade de quem atua há 10 anos pelos direitos das pessoas usuárias de drogas e por uma democracia que ouça todas as vozes, em especial das pessoas que vivem diretamente essa realidade. 

Temos a responsabilidade de reconstruir políticas sobre drogas, a partir da visibilização dos cenários de violação de direitos, mas também a partir da proposição de uma agenda política construída pelas pessoas diretamente afetadas por essa guerra. Até que todas sejamos livres!

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