Artigo

Conferência de Berlim usurpou África e instaurou campo de concentração

Assinada no Século XIX, conferência que fatiou África como uma torta é pouco ou nada estudada aqui na Alemanha

Apoie Siga-nos no

O dia 15 de novembro, para nós brasileiros é o dia da Proclamação da República. Como criança de escola pública de Salvador confesso que pra mim era difícil compreender as vantagens do sistema republicano, até porque de alguma forma, pairava sobre nós, crianças pobres e negras a grande vontade de ver a Europa; nós aprendíamos sobre a Europa e sobre a Inglaterra, mas sobre a África aprendíamos que vieram escravos.

Assim o dia 15 de novembro no mundo da Bahia se reduzia a esta data que, pra meus país todo dia era dia de trabalho, sonhando com a chance de os filhos serem seres mais livres, apesar da cor da pele, essa era a esperança do 15 de novembro.

Adoro estudar história, e adoro mais ainda ter acesso a histórias que não foram contadas nas escolas.

Sobre as histórias coloniais de países anglosaxônicos, francofônicos e lusófonos aprendemos de como eles levaram o desenvolvimento à África e para o mundo.Todavia quanto ao papel dos países Germânicos há muita ignorancia dentro e fora da Alemanha, há muita ignorância principalmente por conveniência para o poder de manipulação de países europeus que até hoje não admite que o desenvolvimento industrial, infra estrutura assim como também o poder bélico da Europa foi pago com o sangue do negro. Não há país europeu que não desfrutou do colonialismo e da escravidão.

Por isso quero falar aqui sobre o dia 15 de novembro de 1884 na Europa. Falar sobre o papel da Alemanha nos processos coloniais.

Muito pouco se fala sobre isso, mesmo pessoas que passam pelas melhores escolas aqui, e que chegam às melhores universidades, públicas ou privadas. A tragédia que aconteceu com o aval da Europa na conferência que aconteceu à partir do dia 15 de novembro do ano de 1884 na cidade de Berlim. Na luta por ser potência mundial o Chanceler da Alemanha Otto von Bismark convida todos os países europeus, todos os reis e rainhas da Europa para discutirem, como gostam de declarar, “O futuro da África”. Sim foi discutido o futuro da África, ou seja, eles discutiram e disputaram quem teria o maior pedaço da África, quem exploraria e estruparia sem risco de ser levado à justiça.

Não esqueçamos que o século 19. é considerado pela filosofia como o século das luzes. O Humanismo infelizmente não pode ser tomado como referência para os direitos humanos universais.

Esta conferência que durou de 15 de novembro de 1884 à 26 de fevereiro de 1885, foi um marco histórico e destruidor para os povos da África. Com um discurso  eugenista e paternalista os países europeus uniram-se e dividiram a África como se divide uma torta. Homens brancos decidindo sobre vidas negras. A  Alemanha, (Kaisereich na Época) dominou nada menos que Namíbia, Tanzânia, Togo, Camerões, Kenya e Ruanda, e teve além disso muita influencia também na África do sul até o fim do Apartheid. 14 países europeus assinaram esta Ata.

Neste mês de novembro, eu como afrodescendente diásporica da Alemanha, gostaria de esclarecer que, também este país tem responsabilidade, também este país desfrutou do sangue africano naquela época como hoje, e que também aqui não há possibilidades de aprender sobre isso nas escolas.

Muitos querem fechar os olhos e aceitar incondicionalmente que os privilégios que podem ser desfrutados aqui venham a ser puramente o fruto do trabalho de pessoas honestas, cultas e disciplinadas. Não, o alemão não é mais trabalhador que o povo negro, meus país meus avós meus amigos, todos que conheci durante a minha vida, dentro e fora do Brasil, todos que tiveram uma chance de entrar no mercado de trabalho trabalharam horas à fio, sem  poder desfrutar justamente do fruto de seu trabalho.

O que aqui foi chamada de corrida pela África, foi a corrida para estrupar mulheres e assassinar seres humanos.

A quem interessar, recomendo procurar o grupo “Berlin Dekolonize”  para que, na próxima viagem à Europa faça também uma visita guiada para perceber o quanto nós, negros fizemos pelo mundo, e o quão é necessário educar para descolonizar, para que aprendamos também sobre o genocídio dos Hereros, como mostra o cartaz na Wilhelmstraße atualmente.

Muito antes da Segunda Guerra Mundial, o país já tinha o que foi chamado de “campos de concentração”, só que naquela época não eram situados dentro da Alemanha ou em outro país da Europa, mas sim na África, e como sempre este é, na minha opinião o motivo pelo qual foi esquecido pelo mundo.

Daqui da diáspora observo este dia 15 de novembro e me orgulho de ter a certeza que este dia pode vir a ser também mais um marco na história, porque neste dia Salvador um dia terá pela primeira vez uma prefeita negra, porque neste dia o Brasil terá uma chance de começar a recontar a história. Gostaria muito de poder estar em Salvador neste novembro para enegrecer a história, nossa história.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo