Diálogos da Fé

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Pelo direito à água

Um chamado cristão em tempos de Quaresma

Pelo direito à água
Pelo direito à água
Torneiras (Foto: Pixabay)
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Na tradição cristã, a Quaresma é um tempo de 40 dias que simboliza preparação para a celebração da morte e da ressurreição de Jesus com foco na mudança, na conversão de caminhos.

É um período de oportunidade de revisão da vida para religiosos e também uma inspiração para quem não é. Um momento que deve significar mudança, conversão.

Sete Semanas pela Água é uma campanha realizada anualmente, na Quaresma, por um grupo de igrejas e organizações cristãs associadas ao Conselho Mundial de Igrejas, que, preocupadas com a situação no planeta, criaram a Rede Ecumênica da Água.

Neste tempo, cristãs e cristãos e todos aqueles de boa vontade são convidados a refletir e a tomar posição diante da situação da água, alimento básico e fundamental para os seres viventes, elemento que tem forte significado espiritual nas tradições religiosas.

A Quaresma é um tempo muito apropriado para se refletir que, na contramão deste princípio, a água está se tornando um recurso escasso, ameaçado e negado a bilhões de seres humanos no mundo.

De fato, um em cada três habitantes do planeta não têm acesso a água potável e dois em cada três não têm acesso a condições dignas de saneamento básico.

Por conta disso, mais de mil crianças morrem todos os dias por conta de doenças preveníveis, como diarreia, causadas por insegurança no consumo de água.

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A Rede Ecumênica da Água incentiva que a Quaresma seja um período para a revisão de vida de cristãos e de gente de boa vontade em relação ao uso irresponsável da água, com o desperdício promovido para satisfazer o conforto individual.

É preciso confissão, arrependimento e conversão quanto à omissão diante da enorme quantidade de lixo despejada nos rios e mares do planeta. Também, quanto ao envenenamento destes recursos naturais, provocado por baterias e outros descartáveis bem como por cosméticos, sabão e detergentes e tecidos sintéticos que contaminam peixes e vegetação aquática e acabam afetando os próprios humanos.

Casa destruída pela lama de Brumadinho (Foto: AFP)

Em todo o mundo, 80% da água usada é devolvida ao meio ambiente sem tratamento. Cerca de 90% dos piores desastres naturais humanitários nos últimos 25 anos estiveram relacionados com a água, como cheias e secas.

Soma-se a isto que, em muitos lugares do mundo, no Brasil inclusive, a água, um bem comum básico e natural, é privatizada e comercializada.

Em nome de projetos de desenvolvimento industrial e de exploração de bens naturais, fontes de água têm sido dragadas ou poluídas, causando riscos à flora, à fauna e aos seres humanos que são dependentes daquele ambiente para a sobrevivência.

Leia também: Israel apoia a privatização de água no Brasil, diz ativista

No Brasil, os casos de Mariana e Brumadinho são os mais fortes exemplos que demandam conversão.

A Quaresma chama à recordação de que os governos não têm respondido a estas questões de forma suficiente. É urgente que confessem publicamente sua falha por ignorarem a necessidade de justiça da água e transformem leis, políticas e ações.

As religiões, particularmente a cristã, carecem de mudança. Elas têm sido espectadoras silenciosas diante da realidade de comunidades vulneráveis em todo o mundo, também no nosso País, em que compatriotas são obrigados a andar quilômetros todos os dias em busca de água para suas famílias.

É preciso arrependimento pela aceitação da comercialização da água, que resulta em contaminação e redução do abastecimento, e conversão em ações de defesa e implementação do direito humano à água e ao saneamento para todos, sem exceção.

Durante o 8º Fórum Mundial da Água, realizado no Brasil em 2018, grupos religiosos reuniram-se no Fórum Alternativo Mundial da Água, incluindo a Rede Ecumênica da Água, e levantaram suas vozes para reforçar a dimensão espiritual da água e a afirmação da água como um bem comum, que não pode ser privatizado e deve ser colocado à disposição de todos os seres viventes.

A proposta do Conselho Mundial de Igrejas, onde está alocada a Rede Ecumênica da Água, em documento aprovado pela Assembleia Geral do órgão em 2006, é que as igrejas coloquem o tema na sua pauta, que se posicionem ao lado de que têm sido excluído do acesso à água e que defendam o acesso como direito humano, demandando transparência e justiça nos processos que envolvem a privatização e a comercialização deste dom da vida.

Neste tempo de Quaresma, eis a oportunidade de atender ao chamado da Rede Ecumênica da Água para defendermos e cuidarmos deste bem comum.

Um momento para revisões e para mudanças.

Tempo de reafirmar o valor precioso da água e de transformar atitudes individuais e coletivas em cuidado e em preservação desta que é fonte de toda vida.

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