Justiça

PL da Dosimetria pode encolher de forma radical as penas do núcleo duro da trama golpista

O projeto permitiria aplicar a redução de até dois terços a todos os condenados, inclusive a Bolsonaro; fusão de crimes e recuo da progressão derrubam sentenças

PL da Dosimetria pode encolher de forma radical as penas do núcleo duro da trama golpista
PL da Dosimetria pode encolher de forma radical as penas do núcleo duro da trama golpista
Ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, participa da cerimônia de cumprimento aos Oficiais Generais promovidos
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A possível aprovação do PL da Dosimetria pode transformar profundamente a situação dos oito integrantes do núcleo crucial da trama golpista. O texto muda regras centrais do Código Penal e da Lei de Execução Penal e, dependendo da interpretação, reduz drasticamente as penas aplicadas pelo Supremo Tribunal Federal.

No cenário considerado pelo relator, Paulinho da Força (Solidariedade-SP), o benefício de redução de 1/3 a 2/3 previsto no novo artigo 359-V se aplicaria a todos os réus, inclusive Jair Bolsonaro (PL). 

Essa leitura sustenta que o dispositivo fala em “papel de liderança” em contexto de multidão, e não em liderança política, permitindo assim que até figuras de alto comando sejam enquadradas como parte da “massa de agentes” responsável pela destruição de 8 de Janeiro.

Essa interpretação amplia ao máximo o alcance do benefício e resulta no cenário mais favorável possível desde o início das investigações. Entenda o que muda e o tanto que os golpistas serão beneficiados:

Fim da soma das penas de golpe e abolição 

O projeto altera o artigo 359-M-A do Código Penal, que determina que, quando crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito forem cometidos no mesmo contexto, o cálculo deve seguir a regra do concurso formal próprio: a pena mais alta é considerada e soma-se apenas um acréscimo de até 1/6.

O Supremo Tribunal Federal havia somado integralmente as penas desses dois crimes, o que elevou significativamente todas as condenações. Com o PL, essa soma é proibida.

A consequência imediata é uma queda brusca da parte mais pesada das sentenças, que hoje chega a representar quase metade da pena total de cada réu.

Redução para quem não exerceu “liderança da multidão” 

Outro ponto sensível é o artigo 359-V, que permite redução de até dois terços para réus que tenham agido “em contexto de multidão”, não tenham financiado os atos e não tenham exercido “papel de liderança” da própria multidão.

A redação, intencionalmente genérica, não define o que é “liderança da multidão”. A interpretação, portanto, excluiria figuras de comando, como ministros e chefes militares. Mas a interpretação ampla, adotada pelo relator, considera que a liderança mencionada refere-se à condução direta da massa de manifestantes em 8 de Janeiro e não à posição institucional de cada réu.

Dessa forma, Bolsonaro seria visto como figura política central, mas não como líder operacional da multidão na tentativa de golpe de Estado. Ministros, generais e auxiliares também não teriam comandado diretamente os grupos no local. Assim, todos se enquadrariam no benefício máximo da redução.

Volta do critério de 1/6

O PL também altera o artigo 112 da Lei de Execução Penal, revogando frações mais altas hoje aplicadas a crimes dessa natureza e reinstalando o critério clássico de cumprir 1/6 da pena para progressão.

Penas totais de 4 a 9 anos, portanto, tornam-se penas de 8 a 18 meses até a progressão, o que acelera a migração para o semiaberto ou para a prisão domiciliar.

Como ficariam as penas 

Essa leitura considera que Bolsonaro, embora considerado líder da organização criminosa pelo STF, não exerceu comando direto sobre a multidão no 8 de Janeiro – requisito central para caracterizar a liderança excluída pelo art. 359-V. É a interpretação que seus aliados devem defender caso o projeto de lei seja judicializado.

  • Jair Bolsonaro: de 27 anos e 3 meses para cerca de 2 anos e 4 meses;
  • Walter Braga Netto: de 26 anos para 2 anos e meio a 3 anos; 
  • Anderson Torres: de 24 anos para 2 a 2 anos e meio;
  • Almir Garnier: de 24 anos para 2 a 2 anos e meio;
  • Augusto Heleno: de 21 anos para 1 ano e meio a 2 anos e 3 meses;
  • Paulo Sérgio de Oliveira: de 19 anos a 2 anos;
  • Alexandre Ramagem: de 16 anos para 1 ano e meio;
  • Mauro Cid: permanece em torno de 2 anos, já que tem a pena mínima por delação.

O clima na Câmara

O PL da Dosimetria, caso aprovado e adotado com essa interpretação, tem potencial para reescrever completamente o impacto das condenações do 8 de Janeiro. A fusão de crimes, a redução de até dois terços e a progressão em 1/6 colaboram para que praticamente todos os réus terminem com penas entre 1 ano e meio e 3 anos, a maioria das quais rapidamente convertíveis em regimes brandos.

Trata-se de uma mudança estrutural na lógica punitiva aplicada pelo STF, que deve desencadear uma nova disputa política e jurídica sobre o alcance da legislação.

Na Câmara, o clima é de embate entre oposição e governistas, que foram pegos de surpresa. A avaliação é que o projeto tem tudo para avançar nesta terça-feira 9, já que ele alcançou um consenso entre bolsonaristas e o Centrão.

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