Justiça

Verbas da reconstrução viram disputa entre MPs no Rio Grande do Sul

Projeto aprovado por deputados abre caminho para transferir recursos de fundo pós-enchentes para o custeio interno do MP estadual

Verbas da reconstrução viram disputa entre MPs no Rio Grande do Sul
Verbas da reconstrução viram disputa entre MPs no Rio Grande do Sul
Divulgação/MP-RS
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A transferência de recursos entre fundos mantidos pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul deflagrou uma queda de braço do órgão com o Ministério Público do Trabalho no estado.

O impasse tem como pano de fundo a aprovação, na semana passada, de um projeto de lei enviado à Assembleia Legislativa gaúcha pelo governador Eduardo Leite (PSD) que trata da realocação de 20% das verbas do Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados (FRBL) para o Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público (FRMP).

À primeira vista, a transferência parece ser uma questão meramente burocrática. O problema é que, graças a uma emenda do deputado estadual Frederico Antunes (PP), líder do governo na Casa, a transferência dos valores poderá ser retroativa a 2024, quando o primeiro fundo também serviu de destino para doações feitas com objetivo de ajudar na reconstrução do estado diante dos estragos provocados pelo desastre climático daquele ano.

Para o MPT, a mudança fere a segurança jurídica e ofende a Constituição Federal. Além disso, destacou o procurador-chefe do órgão no Rio Grande do Sul em reunião com integrantes do governo Leite, servirá como um desestímulo à solidariedade em ocasiões futuras, sendo fundamental o respeito às regras vigentes ao tempo das destinações.

Caso o projeto seja sancionado, o órgão não descarta judicializar a questão. A mobilização também atingiu Brasília, de onde o chefe do MPT nacional, Gláucio Oliveira, enviou um ofício ao governador solicitando uma “reunião urgente” para tratar do tema.

“As recentes modificações, ao que consta ainda pendentes de sanção, impelem-nos a um desfecho que inviabiliza a continuidade dos aportes trabalhistas (já que tais recursos não foram excluídos da base de cálculo dos repasses) e deságua na necessidade de tomada de medidas de controle e provocação de legitimados para a persecução judicial destinada ao resguardo dos valores antecedentemente depositados”, diz trecho do documento obtido por CartaCapital.

Abastecido por multas, acordos judiciais e doações, o FRBL financia projetos sociais, compra de equipamentos para órgãos públicos e outras iniciativas de interesse coletivo. Já o FRMP é usado para o custeio do próprio Ministério Público, em ações como reforma e manutenção de prédios, compra de equipamentos e investimentos em tecnologia.

Estima-se que, no total, o FRBL tenha arrecadado ao menos 122 milhões de reais em 2024, montante consideravelmente superior ao depositado no fundo nos anos anteriores, que não passava dos 15 milhões. O órgão do Trabalho diz que ele próprio destinou 80 milhões, provenientes de repasses feitos por todas as unidades do MPT no País.

As destinações foram viabilizadas por meio de um acordo de cooperação técnica assinada por ambas as partes, em maio do ano passado.

Conforme apurou a reportagem, existe o temor de que, com a ida de recursos do FRBL para o fundo que custeiam reformas estruturais do MP, as verbas do duodécimo (valores obrigatoriamente repassados pelo Estado ao Poder Judiciário) sirvam para bancar novos penduricalhos a promotores e procuradores.

A entidade que representa a classe, aliás, engajou-se na tramitação do projeto na Assembleia Legislativa, e sua diretoria acompanhou a votação do plenário da Casa. Um levantamento da Transparência Brasil divulgado em outubro mostra que, em 2024, 98% dos promotores e procuradores de 25 unidades do Ministério Público da União e dos MPs estaduais receberam remuneração acima do teto constitucional.

No estado, a remuneração de todos os membros do órgão é superior às dos ministros do Supremo Tribunal Federal, cujo salário é de 46 mil reais. A associação do MP gaúcho, no entanto, quer mais. O mais recente pleito da AMPRS, enviado à Procuradoria-Geral de Justiça em dezembro passado, reivindica a recomposição do que consideram perdas salariais na ordem de 1,6 bilhão.

Outro lado

O governo do Rio Grande do Sul não respondeu aos contatos da reportagem. O espaço segue aberto.

Em nota, o MP gaúcho afirmou que o projeto aprovado pelos deputados estaduais busca “conferir maior segurança jurídica na destinação de valores do FRBL para algumas finalidades específicas e estabelecer a obrigatoriedade de o fundo ser o depositário de outros tantos recursos”, como os oriundos de acordos de não persecução penal e de não persecução cível, entre outros.

Além disso, garantiu que a mudança na legislação “não altera a sistemática de aplicação dos recursos do Fundo, que permanece como um fundo público submetido à fiscalização de seu Comitê Gestor e dos órgãos de controle externo”, “não gera de imediato nenhum contingenciamento de valores aplicáveis” do FRBL e continuará “sendo usado como mais um instrumento de colaboração na reconstrução do Estado, embora essa não seja sua finalidade específica”.

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