Justiça

Isolado, Fux não salva Bolsonaro, mas lhe oferece uma luz no fim do túnel

O ministro elevou o tom de sua oposição a Alexandre de Moraes e plantou a semente de futuras contestações ao julgamento

Isolado, Fux não salva Bolsonaro, mas lhe oferece uma luz no fim do túnel
Isolado, Fux não salva Bolsonaro, mas lhe oferece uma luz no fim do túnel
O ministro Luiz Fux vota no 4º dia de julgamento da trama golpista. Foto: Gustavo Moreno/STF
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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal confirmou nesta quinta-feira 11 o isolamento do ministro Luiz Fux no julgamento do núcleo crucial da trama golpista. Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin condenaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os sete outros réus.

Na sessão desta quinta, os ministros fizeram questão de firmar um contraponto a Fux, que na véspera votou por absolver Bolsonaro de todos os crimes imputados — ele negou até a execução do golpe de Estado entre o fim de 2022 e o início de 2023.

A solidão de Fux, portanto, não está apenas no placar, mas na compreensão do que o País viveu especialmente entre a vitória de Lula (PT) na eleição e os atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023.

Na quarta-feira 10, o ministro cravou sua maior divergência com Moraes, relator do processo. Se não serviu para alterar o placar na Primeira Turma, o voto preparou o terreno para contestações futuras.

Não é trivial que, ao alegar “incompetência absoluta” do STF no caso, Fux tenha mencionado indiretamente a rumorosa anulação das condenações de Lula na Lava Jato — motivada, segundo ele, por uma “incompetência relativa”. Em 2021, a Corte considerou que a 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), à época liderada por Sergio Moro, não deveria julgar o caso.

Conforme a lógica de Fux, todo o processo sobre a tentativa de golpe deveria ser anulado. Embora tenha acompanhado os colegas ao aceitar a denúncia contra Bolsonaro e mais sete réus em março, já havia defendido, na ocasião, a incompetência do Supremo.

Na sessão de quarta-feira, o ministro por três vezes defendeu a anulação do processo: inicialmente, por incompetência da Corte; em seguida, defendeu que, se o caso permanecesse no STF, seguisse para o plenário, não para uma turma; também evocou um suposto cerceamento das defesas.

Também provocou certa surpresa o voto pela legalidade da delação premiada de Cid. Fux já ensaiava, entretanto, esse movimento: se em março, no recebimento da denúncia, colocou em xeque a legitimidade da colaboração, no mês seguinte falou em “dado novo” e mudou de ideia.

O precedente da Lava Jato

Ainda que o voto de Fux não tenha mudado o desfecho do julgamento, seus argumentos poderão servir de combustível para inevitáveis tentativas das defesas de anular a decisão. Não é um processo rápido, como o precedente da Lava Jato demonstra.

Ao trazer à baila o caso de Moro e companhia, Fux também provocou uma saia-justa com o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, à época advogado de Lula e peça-chave para atestar a incompetência e a suspeição do ex-juiz.

Para o professor de Direito Penal Eduardo Appio, sucessor de Moro na 13ª Vara por alguns meses em 2023, há um problema de ordem técnica no voto de Fux, uma vez que a análise de questões preliminares das defesas — como o foro competente para julgar o processo — já ocorreu em outras etapas.

“O processo criminal conta com uma defesa preliminar dos acusados, antes do recebimento da denúncia”, explicou. “Nesta defesa preliminar já são suscitadas e julgadas as questões relativas à competência originaria do STF. Tenho a impressão de que, tecnicamente falando, este debate já transitou em julgado e não poderia ser ressuscitado.

Appio disse, porém, que considera Fux um “grande jurista” e que se manifestou nesses termos ao ser questionado por alunos.

Contradições e clima entre os ministros

Em comparação com as intervenções anteriores de Fux na ação penal sobre Bolsonaro, não houve uma grande contradição, embora tenha chamado atenção seu tom mais incisivo ao defender, nesta quarta, a anulação do processo. Houve, no entanto, um giro completo frente ao que o ministro defendeu na primeira ação contra envolvidos nos atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023.

Em setembro de 2023, o STF condenou o primeiro réu do caso, Aécio Pereira, a 17 anos de prisão por associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. São os mesmos crimes atribuídos a Bolsonaro e seus aliados.

Se, agora, Fux diz que o Supremo não é competente para julgar a tentativa de golpe porque os réus não teriam foro por prerrogativa de função, essa mesma divergência não foi mencionada no caso de Aécio. Por coerência, aquele réu também não deveria estar no STF.

O voto de Fux naquele julgamento de 2023 ocupa quatro das 403 páginas do acórdão. O ministro não fez qualquer reparo sobre a competência do STF e concluiu seu voto com uma espécie de ode a Moraes: disse que o colega não deixou dúvida sobre a autoria e a materialidade e acompanhou integralmente o relator. Ou seja: também condenou Aécio pelos cinco crimes imputados.

Não foi o único caso: em 2012, no midiático caso da Ação Penal 470, apelidada de “mensalão”, Fux também reconheceu a competência do STF para julgar figuras que não tinham foro na Corte.

Nos meses seguintes ao julgamento de Aécio Pereira, Fux ajustou progressivamente seu entendimento sobre casos do 8 de Janeiro, defendendo que o crime de golpe de Estado “absorveria” o de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Ou seja, não se deveria condenar os réus pelos dois tipos penais.

Agora, se a divergência de Fux acende uma luz no fim do túnel de Bolsonaro, também pode ensejar uma batalha jurídica mais imediata. As defesas buscarão reverter o resultado do julgamento com um recurso conhecido como embargos infringentes, aplicáveis apenas a decisões não unânimes e que permitem reexaminar o mérito. Caso a condenação fosse por 5 a 0, restariam aos advogados apenas embargos de declaração — sem o poder de mudar a essência da decisão.

Na prática, portanto, Luiz Fux plantou nesta quarta-feira a semente para o Supremo, eventualmente com nova composição e impulsionado por outros ventos políticos, revisar ou até anular o resultado do julgamento, reforçando a tendência histórica do Brasil de deixar em segundo plano a condenação do golpismo.

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