Política
A articulação da direita para cassar o mandato da única vereadora do PSOL de Curitiba
Um folheto sobre redução de danos colocou a Professora Angela na mira de bolsonaristas e membros da base do prefeito da cidade, Eduardo Pimentel (PSD)


Uma articulação entre vereadores da extrema-direita e políticos da centro-direita ligados ao prefeito de Curitiba, Eduardo Pimentel (PSD), tenta pôr fim ao mandato de Professora Angela, a primeira vereadora do PSOL eleita na história de Curitiba. Dois pedidos de cassação foram autorizados a tramitar nesta segunda-feira 1.
A acusação formal gira em torno da distribuição de um panfleto sobre redução de danos, entregue durante uma audiência pública em agosto. A sessão foi interrompida por gritos do vereador bolsonarista Da Costa do Perdeu Piá (União), que acusou Angela de fazer “apologia às drogas”. O próprio Da Costa assina um dos pedidos de cassação; o outro é de autoria de Bruno Secco (PMB), também bolsonarista.
O material, porém, nada tinha de “manual de consumo de drogas”: apresentava informações alinhadas às recomendações da Organização Mundial da Saúde e da comunidade científica sobre como reduzir riscos e ampliar as chances de tratamento. Angela rebateu em plenário:
“A estratégia de redução de danos é uma política pública de saúde eficiente, adotada em diversos países”, reforçou a vereadora diante dos protestos. “Não é, em hipótese alguma, um incentivo para ninguém iniciar um uso.”
Mesmo assim, a cartilha foi recolhida logo após o início da distribuição. Segundo o mandato, apenas 60 exemplares circularam, sendo que 37 ficaram com os próprios vereadores, detalhe que não impediu que a oposição inflasse o episódio.
Pedido avança
Nesta segunda-feira 1, vereadores votaram, em plenário, o prosseguimento dos dois pedidos de cassação. Foram 29 votos favoráveis e 6 votos contrários ao parecer do corregedor, o vereador Sidnei Toaldo (PRD), que concluiu que há indícios de violação do Código de Ética e Decoro Parlamentar na atuação de Angela.
A Comissão Processante será formada pelos vereadores Zezinho do Sabará (PSD), Renan Ceschin (Podemos) e Olímpio Araújo Júnior (PL). O processo será conduzido pelo político do Podemos e a relatoria será feita pelo filiado ao PL.
Com a votação desta segunda, começa a contar o prazo para que a cassação seja votada. Pelo regimento, a Câmara tem até 90 dias para finalizar o processo. Caso o prazo não seja cumprido, o pedido de cassação será arquivado. Veja as etapas:
- Defesa: notifica a vereadora denunciada em até 5 dias, enviando cópia da denúncia e dos documentos do processo. Abre-se, então, prazo de 10 dias para defesa prévia por escrito, indicação de provas e de até 10 testemunhas;
- Parecer inicial: encerrado o prazo de defesa, a Comissão tem 5 dias para opinar pelo prosseguimento ou arquivamento do pedido;
- Instrução do processo: se houver prosseguimento, o presidente marca o início da instrução e define atos, diligências e audiências em que serão colhidas o depoimento da denunciada e realizado o interrogatório das testemunhas;
- Razões finais e parecer final: concluída a instrução, abre-se vista por 5 dias ao denunciado para razões finais escritas. Depois, emite-se o parecer final pela procedência ou improcedência;
- Sessão de julgamento: serão lidas as peças de acusação e defesa e a sustentação oral final do denunciado ou procurador. Por fim, realiza-se a votação.
A perda do mandato, como pedem Da Costa e Secco, exige voto favorável de, no mínimo, dois terços dos membros da Câmara. Na prática, é preciso que pelo menos 26 votos sejam dados pela cassação.
Suspeição da Câmara
O processo contra Angela, argumenta o seu gabinete, é enviesado e avançou com um parecer parcial. Isso porque, segundo um documento apresentado à Câmara na semana passada, o vereador Sidnei Toaldo, corregedor, abandonou a neutralidade e se pronunciou criticamente sobre o caso nas redes sociais. A mesma suspeição recai sobre outros membros da Mesa Diretora.
A reclamação, no entanto, foi ignorada pela Corregedoria, que optou por seguir com o parecer e enviar o processo ao plenário.
“Em outros casos que tramitaram pela mesma Corregedoria, foi aberto o direito dos vereadores acusados de apresentarem outros documentos. Menciono a ação por nepotismo contra outro vereador [Eder Borges, do PL], que pôde apresentar outros documentos para uma pré-análise. Ele apresentou, inclusive, uma pré-defesa e a Corregedoria acatou”, destaca o advogado Juliano Pietzack, responsável pela defesa da Angela, na tribuna da Casa nesta segunda-feira. “Em outros casos, a própria Corregedoria requisitou pré-defesa, mas nesse caso, ela simplesmente ignorou, sequer negou o nosso pedido para entregar documentos.”
Pano de fundo
Angela, em outubro de 2024, disse em entrevista a CartaCapital que seria, ao assumir o mandato, uma “pedra no sapato da extrema-direita”. Em conversa reservada com CartaCapital, membros da base do prefeito admitem que a postura “de oposição constante” da vereadora do PSOL na Câmara pode ter contribuído para as publicações negativas sobre o caso fossem ampliadas por vários membros da Casa.
A reclamação geral é de que ela não “pediu desculpas” em nenhum momento após a audiência. Outros episódios, envolvendo críticas a Israel e uma defesa da Palestina, também foram mencionados pelos vereadores.
Questionados se há alguma pressão do prefeito contra a vereadora, os políticos negam, mas sustentam que “nem seria preciso”, uma vez que “é óbvio”.
Integrantes do PSOL do Paraná que acompanham o caso também veem represália pela neutralidade adotada pelo partido no segundo turno na cidade em 2024. O partido não orientou voto na disputa entre Pimentel e a bolsonarista Cristina Graeml, que despontou nos momentos finais da disputa.
“Há uma pitada de vingança”, alegam. A leitura é de que nenhum aliado da gestão municipal, ainda que esteja ideologicamente distante da direita, vai “comprar a briga”. A omissão, neste caso, contribuiu para a rápida tramitação do caso na Câmara. Os pedidos foram analisados em apenas uma semana.
“É a sindicância mais rápida dessa legislatura. Em apenas uma semana, a Corregedoria tomou o caso, fez um relatório e apontou as sanções mais gravosas”, lamenta Pietzack.
Mobilização nacional
Em minoria na formação atual da Câmara, Angela tem se apoiado a manifestações de importantes nomes da política nacional em apoio ao seu mandato: Paula Coradi, presidenta do PSOL, e Glauber Braga, deputado que é alvo de um pedido da cassação no Congresso por sua atuação contra a direita, já participaram de atos presenciais e virtuais em defesa da professora.
As deputadas Sâmia Bonfim e Fernanda Melchionna engrossam o coro em defesa da colega de partido, assim como integrantes de outras siglas, entre eles Renato Freitas, membro do PT e alvo de diversas sanções na Assembleia Legislativa do Paraná. Intelectuais e artistas também aparecem na lista de signatários de um abaixo-assinado em defesa do mandato.
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