Justiça
Justiça concede pensão a Clarice Herzog, viúva de Vladimir, 50 anos após assassinato pela ditadura
Aos 83 anos, ela foi diagnosticada com Alzheimer e receberá pensão calculada com base em remuneração que o marido teria se estivesse vivo


Depois de cinco décadas de espera, Clarice Herzog, viúva do jornalista Vladimir Herzog – que foi assassinado pelo regime militar brasileiro em outubro de 1975 – vai receber uma pensão vitalícia pela morte do marido.
A decisão liminar foi tomada na última terça-feira 4 pelo juiz Anderson Santos da Silva, da 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal. Nela, o magistrado reconhece que Vladimir Herzog foi vítima de perseguição política e que a sua família tem direito à reparação correspondente ao valor que ele receberia se estivesse vivo.
“Diante das fartas evidências a respeito da detenção arbitrária, da tortura e da execução extrajudicial de Vladimir Herzog, o pedido autoral de reconhecimento da sua condição de anistiado político, com as suas consequências legais, apresenta plausibilidade jurídica”, reconhece a Justiça.
Clarice receberá uma pensão mensal de 34.577,89 reais. Na decisão, o juiz chamou a atenção para a necessidade de cumprimento urgente da medida, “pois a parte autora – pensionista – é pessoa com 83 anos e com diagnóstico de Doença de Alzheimer em fase avançada”.
Clarice foi representada pelo seu filho, Ivo Herzog, que ingressou com ação contra a União com base em uma lei de 2002 que determina o pagamento de indenização para anistiados políticos.
O caso Herzog
Ex-diretor de jornalismo da TV Cultura, Herzog foi torturado e assassinado pelo regime brasileiro nas instalações do DOI-Codi, em São Paulo. Ele tinha ido se apresentar aos agentes da ditadura para “prestar esclarecimentos” sobre a sua relação com o Partido Comunista Brasileiro.
O caso foi um dos mais simbólicos dos tempos do regime. À época, os militares chegaram a dizer que Herzog tinha se suicidado, mas foi o longo trabalho de Clarice que fez com que a Justiça reconhecesse o assassinato.
Ainda no final da década de 1970, a viúva conseguiu obter da primeira instância uma condenação do Estado pela morte do marido. À época, a decisão estabelecia que a União deveria indenizar a família e investigar os autores do crime. O governo não cumpriu a ordem judicial e, mesmo após a redemocratização, a efetiva punição aos agentes não foi cumprida.
Somente em 2018, após apelar à comunidade internacional, a família Herzog obteve da Corte Interamericana de Direitos Humanos a condenação ao Brasil. O Estado brasileiro foi condenado por crime de lesa-humanidade por não investigar e punir os responsáveis pelo assassinato do jornalista.
Instituto Vladimir Herzog comemora
O Instituto Vladimir Herzog celebrou a decisão, dizendo que, ainda que não seja definitiva – cabe recurso por parte da União –, “acontece no marco de 50 anos desse crime e de incansável luta de Clarice por justiça para Vlado”.
“A medida foi deferida no escopo da ação que busca a declaração de anistiado político port-mortem de Vladimir Herzog, cumulada com pedido de reparação econômica em favor de Clarice, nos termos da Lei da Anistia”, diz a nota divulgada pelo instituto.
“O IVH e a família Herzog acreditam que o atual momento nos apresenta uma oportunidade histórica para que sejam cumpridas, definitivamente e integralmente, as determinações da sentença, dentre elas o pedido público de perdão por parte do Estado brasileiro, parte integrante da ação do TRF1, e garantir desse modo os direitos relativos à justiça de transição no Brasil”, afirma o instituto.
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