Alberto Villas
[email protected]Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'
Agora, em 2024, essa geração resolveu não mais passar roupa, perder tempo passando peça por peça
Na Fazenda do Sertão não havia eletricidade naqueles anos 1960. E eu me lembro bem de que a nossa roupa, naqueles julhos que passávamos lá, era passada a ferro de brasa.
Era um ferro bem pesado, meio feioso e eu, curioso, ficava espiando aquela idosa passando cada peça e, de tempos em tempos, abrindo sua tampa e colocando pequenos cubos de brasa pra coisa não esfriar.
Lamento não me lembrar o nome daquela pessoa idosa, negra, franzina, saia comprida e lenço branco escondendo os cabelos.
Saía fumaça e um cheiro de queimado contaminava o ambiente. Nossas camisas e calças curtas iam sendo empilhadas e eu costumava cheirar para sentir aquele defumado.
Depois, com o progresso, veio o ferro elétrico, que acabou mudando a história e transformando aquele monstrengo a brasa em peça de decoração.
Me lembro que durante muito tempo, na minha casa, ele ficava no chão, segurando a porta para não bater, soprada pelo vento.
Na casa da minha tia, ele ficava na sala, aberto, cheio de flores secas.
Agora, em dois mil e vinte e quatro, essa geração resolveu não mais passar roupa, perder tempo passando peça por peça.
Eu talvez seja o último, mas passo. E gosto de passar. Instalo a mesa na sala e é geralmente no domingo de manhã, espiando o Globo Rural, depois o Esporte Espetacular.
Não gosto de roupa amassada, talvez na memória me venha uma frase da minha mãe, quando eu vestia uma camisa meio troncha:
– Parece que você tirou essa roupa de dentro de uma garrafa!
Meus filhos, todos casados, acho que nem têm ferro em casa. E olha que eu nem percebo se eles andam assim meio amassados.
A única coisa que ainda não faço é mandar consertar o ferro quando ele estraga. Hoje em dia, trocar a resistência fica o preço de um novo.
Como o meu anda meio velhinho, resolvi comprar um novo e fui pesquisar na Internet. Gente, encontrei um ferro elétrico Mondial preto, bonitão, na Amazon, por 67 reais e 89 centavos, o preço de um lanche na Fabrique.
Sessenta e sete e oitenta e nove centavos, francamente tá de graça.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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