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O que se sabe sobre o movimento no governo Lula para viabilizar Putin no G20
O presidente da Rússia é alvo de um mandado de prisão expedido pelo TPI, com sede em Haia, do qual o Brasil é signatário


O governo Lula (PT) iniciou uma movimentação para se proteger juridicamente caso o presidente da Rússia, Vladimir Putin, venha ao País – por exemplo, para a cúpula do G20, em 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro. No fim de 2023, o Brasil apresentou à Comissão de Direito Internacional da ONU um documento com o arcabouço legal a sustentar essa possibilidade. A informação foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo e confirmada por CartaCapital.
Trata-se, contudo, de um parecer preliminar. As discussões devem se estender por meses até que o colegiado se manifeste.
O debate surgiu porque Putin é alvo de um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, na Holanda, do qual o Brasil é signatário. Ele é acusado de cometer crimes de guerra na invasão russa à Ucrânia.
Ao anunciar a ordem de prisão, em março de 2023, a Corte afirmou que Putin pode permitiu deportação ilegal de crianças e transferência ilegal de pessoas de áreas ocupadas da Ucrânia para o território russo.
O TPI investiga e julga pessoas acusadas de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, por exemplo. Ele não conta com força policial ou um órgão de fiscalização próprio e, por isso, depende da cooperação dos países signatários – como o Brasil -, especialmente para prender e transferir pessoas detidas até Haia, congelar bens de suspeitos e executar sentenças.
O documento levado pelo Brasil à comissão da ONU não cita diretamente Putin, tampouco a participação dele na reunião do G20. Os termos adotados, no entanto, se aplicam à situação do longevo chefe do Kremlin.
O argumento central é que um país não signatário do TPI não deve sofrer os efeitos de uma ordem emanada do Tribunal, caso da Rússia, que em 2016 se retirou do grupo – em 2000, Moscou assinou o tratado a estabelecer a Corte, mas nunca o ratificou.
Por isso, conforme o parecer preliminar do Brasil, “é norma básica da lei internacional geral, codificada no artigo 34 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que ‘um tratado não cria obrigações ou direitos para um terceiro Estado sem o seu consentimento'”.
Prender Putin em território brasileiro não é uma possibilidade considerada pelo governo Lula, que busca, portanto, sustentação diplomática e jurídica para evitar embaraços decorrentes de uma eventual visita. O presidente da Rússia, contudo, sequer se manifestou sobre a intenção de participar da cúpula do G20.
Em setembro de 2023, o presidente Lula protagonizou uma polêmica sobre convidar ou não Putin à reunião do G20 no Rio. Em viagem à Índia, o petista afirmou que o russo não seria detido no Brasil, apesar do mandado de prisão do TPI.
Ele questionou a participação do Brasil no Tribunal, uma vez que outros grandes países não são signatários do Estatuto de Roma, responsável por criar o organismo.
“Eu acho que o Putin pode ir tranquilamente para o Brasil. Eu posso lhe dizer, se eu for o presidente do Brasil e ele for ao Brasil, não há por que ele ser preso“, afirmou o petista. “Ninguém vai desrespeitar o Brasil, porque tentar prender ele no Brasil é desrespeitar o Brasil. É preciso as pessoas levarem muito a sério isso.”
“Eu quero muito estudar a questão do Tribunal Penal. Estados Unidos não é signatário, a Rússia não é signatária. Então, eu quero saber por que o Brasil é signatário de um tribunal que os Estados Unidos não aceitam?”
Diante da repercussão, porém, Lula recuou em seu compromisso de não deter o presidente da Rússia.
“Não sei se a Justiça brasileira vai prender, isso quem decide é a Justiça. Não é o governo”, declarou em uma entrevista coletiva em 11 de setembro, um dia após a conclusão do encontro de cúpula do G20 em Nova Délhi.
Na semana passada, em visita ao Brasil, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse que um eventual convite a Putin deve ser resultado de uma decisão “consensual” entre os Estados-membros do G20. Se convidar Putin for “útil, é preciso fazê-lo”, mas “se criar divisões, não”, reforçou o francês, ao lado de Lula.
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