Justiça

Brasil cai em ranking da Transparência Internacional sobre percepção da corrupção

A ONG aponta que o governo Bolsonaro contribuiu para o ‘desmonte’ das instituições de controle, mas a gestão Lula, apesar de melhorias, mantém práticas que dificultam avanço

Brasil cai em ranking da Transparência Internacional sobre percepção da corrupção
Brasil cai em ranking da Transparência Internacional sobre percepção da corrupção
Manifestação contra a corrupção, em Brasília. Crédito: Marcello Casal Jr/Agência Brasil Manifestação contra a corrupção, em Brasília.
Apoie Siga-nos no

O Brasil recuou dez posições no ranking da ONG Transparência Internacional sobre percepção da corrupção. É o que mostra o resultado do Índice de Percepção da Corrupção de 2023, publicado nesta terça-feira 20 pela organização. O país ocupa, agora, a posição 104 entre os 180 países listados.

Para avaliar a percepção da corrupção em diferentes países, o ranking da Transparência Internacional vai de 0 a 100. Quanto mais baixo o índice, maior a percepção de corrupção em determinado país; quanto mais alto, menor a percepção do fenômeno. O Brasil obteve 36 pontos no índice, contra 38 da avaliação anterior. A média global foi de 43 pontos, índice que se mantém estável há doze anos.

De acordo com o relatório da organização, a razão mais contundente pelo aumento da percepção da corrupção no Brasil é o desmantelamento de instituições durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A contribuição do governo Bolsonaro 

“Os anos de Jair Bolsonaro na Presidência da República deixaram a lição de como, em poucos anos, podem ser destruídos os marcos legais e institucionais anticorrupção que o país levou décadas para construir”, aponta um trecho do relatório.

Ainda segundo a publicação, o ponto mais importante no processo de desmonte das instituições de combate à corrupção no Brasil, durante o governo anterior, foi a nomeação de Augusto Aras para o cargo de Procurador-Geral da República (PGR), “que não apenas desarticulou o enfrentamento à macrocorrupção, mas também foi responsável por uma retração histórica nas funções de controle constitucional dos atos do governo”.

O relatório cita, ainda, o desmonte do controle político por meio do refinamento do sistema conhecido como “orçamento secreto”, catapultado durante o governo Bolsonaro e definido pela Transparência Internacional como “o maior esquema de apropriação orçamentária para fins escusos que se tem registro no país”. 

Outro ponto de relevo foi a diminuição dos meios de acesso à transparência no governo anterior, além das já comprovadas práticas de disseminação de notícias falsas pelo mandatário anterior.

Governo Lula, entre contradições e reconstrução 

A expressão “reconstrução” não apenas é citada no relatório da Transparência Internacional, como é um dos motes do discurso do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O petista parte da hipótese, segundo palavras próprias, de que o governo anterior deixou o país em um estado de míngua social, econômica e institucional; e que, portanto, é necessário reconstruir o cenário herdado.

Os fatos concretos vivenciados no primeiro ano de governo Lula – o ataque golpista do 8 de Janeiro, a manutenção do poder de barganha a níveis inéditos por parte do Congresso Nacional, etc – mostram que a almejada reconstrução poderá demorar mais do que o esperado. Pesam na conta, também, ações tomadas pelo próprio governo Lula. Esse cenário foi captado pelo relatório da Transparência Internacional.

Segundo a publicação, “o novo governo vem falhando na reconstrução dos mecanismos de controle da corrupção e, junto deles, do sistema de freios e contrapesos democráticos”. O sistema de freios e contrapesos é uma expressão da literatura política que serve para definir um arranjo no qual cada um dos três pilares republicanos – Judiciário, Legislativo e Executivo – exerce controle sobre os demais. 

Há dois pontos principais, de acordo com o relatório, que indicam que o governo Lula deu um passo atrás nos processos de fortalecimento institucional e de transparência sobre essas mesmas instituições.

O primeiro diz se refere à nomeação do ex-advogado pessoal de Lula, Cristiano Zanin, para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como da nomeação de um novo Procurador-Geral da República (PGR), Paulo Gonet, fora da lista tríplice elaborada tradicionalmente pela instituição.

O segundo tem a ver com a manutenção de uma prática histórica da relação Legislativo-Executivo, que pouco foi alterada no primeiro ano do governo Lula. Trata-se da barganha feita por membros do “Centrão” frente ao governo. 

Em resumo, embora o STF tenha declarado a inconstitucionalidade do orçamento secreto, isso “não impediu o Congresso e o governo Lula de encontrarem rapidamente um arranjo que preservasse o mecanismo espúrio da barganha, que manteve vivos velhos vícios aperfeiçoados durante a gestão Bolsonaro”.

Na prática, a mudança de governo veio acompanhada de uma alteração da moeda de troca política: “o loteamento de cargos em empresas estatais”, segundo aponta o relatório.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), criticou os apontamentos feitos pelo relatório. Em publicação na rede X – antigo Twitter -, Hoffmann afirmou que a Transparência Internacional possui “longa trajetória de desinformação sobre os governos do PT”.

A petista acusou a ONG de não possuir fontes explícitas de financiamento, indicando que a Transparência Internacional tinha interese em parcerias estratégicas com membros da Operação Lava Jato. “Expliquem antes quem financia vocês, abram suas contas, expliquem os negócios em que se envolveram com Moro e Dallagnol. Poucos saíram tão desmoralizados das investigações sobre os crimes da Lava Jato quanto a tal Transparência Internacional, que de transparente só tem o nome”, afirmou Gleisi.

Melhorias a partir de 2023

Apesar disso, a Transparência Internacional destaca o fato de que o atual governo do país apresentou uma melhora significativa no que diz respeito ao “pilar social”. “A participação social, um marco dos governos petistas, voltou à agenda do país, junto com mais mecanismos de transparência”, aponta o relatório.

As indicações a cargos importantes da Polícia Federal (PF), durante o primeiro ano do governo Lula, feitas por critérios técnicos, segundo a publicação, também é outro ponto positivo.

O cenário internacional

O ranking global sobre o tema é liderado pela Dinamarca, que alcançou 90 pontos no índice geral. O país nórdico é seguido por Finlândia (87), Nova Zelândia (85), Noruega (84) e Singapura (83). Suíça, Suécia, Holanda, Luxemburgo e Alemanha fecham a lista dos dez primeiros colocados. 

Para chegar ao Índice de Percepção da Corrupção, a Transparência Internacional conta com treze fontes independentes de dados. O índice é elaborado desde 1995.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo