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O que está por trás da obsessão com o peso das mulheres

Enquanto perdemos tempo em busca de ideais inatingíveis, os poderes do mundo seguem nas mãos dos homens

O que está por trás da obsessão com o peso das mulheres
O que está por trás da obsessão com o peso das mulheres
Paolla Oliveira e Yasmin Brunet. Foto: Daniel Pinheiro / Instagram
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Você está comendo demais! Assim, vai ficar gordinha! Como a maioria das mulheres, eu fui uma garota de peso normal que foi gradualmente convencida de que pesava mais do que deveria. A consciência corporal à qual meninas são forçadas desde a tenra idade não deixa nenhum rastro saudável, mas sim, a semente de um desconforto com o corpo que nos seguirá por toda a vida até que consigamos, de algum modo, elaborar. 

Pesquisadores do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto lideraram um estudo com mais de 200 crianças em 2023 a fim de compreender quais são as fases de maior vulnerabilidade aos transtornos alimentares em adolescentes do sexo feminino. Segundo resultados da pesquisa, a fase mais suscetível ocorre após a primeira menstruação.

As mudanças no corpo, alinhadas às expectativas sociais, fazem com que meninas cada vez mais jovens se percebam excluídas do ideal estético propagado através das redes sociais e da indústria do entretenimento. Entretanto, para além de uma discussão superficial acerca de temas como pressão estética, precisamos chegar ao cerne da questão: o controle do peso das mulheres é, para além de uma expressão irrefutável da misoginia, uma estratégia de controle.

Quando se é uma mulher, acolher o próprio corpo é uma revolução mais selvagem do que você imagina

Quando construímos a percepção de que mulheres precisam estar a todo tempo atentas ao peso, fortalecemos a crença de que o valor feminino está atrelado à aparência física – e não à sua humanidade intrínseca. A construção discursiva no sistema misógino afeta mulheres de tal modo ao ponto de que haja um policiamento extremo até mesmo entre nós, pois somos instruídas a nos tornar agentes do patriarcado e a fazer o trabalho sujo dos homens que construíram os padrões que historicamente aprisionam os nossos corpos.

O jogo estético patriarcal é sujo, pois enquanto somos incentivadas a valorizar a beleza como um commodity feminino, homens são incentivados a ocuparem espaços de liderança e poder. Através dos processos de socialização feminina, mulheres são instruídas a centralizar suas vidas em torno de sua aparência, sendo igualmente convencidas de que possuem uma data de validade – de curtíssimo prazo. De acordo com dados obtidos através de uma pesquisa dirigida pela Dataclysm em parceria com o cofundador da plataforma de relacionamentos OkCupid homens, independente de sua faixa etária, preferem se relacionar com mulheres de até 24 anos, enquanto mulheres tendem a buscar parceiros com menor diferença de idade.

Nos anos 1990, a obra O Mito da Beleza (apesar de suscitar algumas críticas), nos trouxe uma premissa certeira: a obsessão pela aparência e a juventude feminina é uma arma, pois mulheres fragilizadas não conseguem se defender. Além disso, não conseguem construir espaços de convivência potentes, estratégias para ingresso robusto nos espaços de poder e, sobretudo, cultivar o tempo que são instruídas a investir na “jornada de trabalho da beleza”, no auto-aperfeiçoamento pessoal.

A manutenção das mulheres nessa eterna roda de hamster ocasiona danos de ordem individual, como problemas psicológicos e físicos, mas também nos afeta à nível coletivo. Pois, quando aprendemos que nossos corpos são o nosso capital social, perdemos tempo de vida em busca de ideais inatingíveis enquanto os poderes do mundo seguem nas mãos dos homens – que em poucas ocasiões se preocupam se suas gravatas estão combinando com os ternos.

Quando se é uma mulher, acolher o próprio corpo é uma revolução mais selvagem do que você imagina.

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