CartaCapital
Ao escândalo dos pastores no MEC acrescenta-se a compra de ônibus superfaturados
A bilionária licitação previa a compra dos veículos com sobrepreço de até 55%


O ministro Walton Alencar Rodrigues, do Tribunal de Contas da União, suspendeu a homologação de um pregão eletrônico para a aquisição de 3.850 ônibus escolares pelo Ministério da Educação. A bilionária licitação previa a compra dos veículos com sobrepreço de até 55%, o que poderia causar um prejuízo ao Erário de 732 milhões de reais, conforme denunciou o jornal O Estado de S. Paulo na semana anterior. Na tentativa de preservar o certame, o governo reduziu, de última hora, o valor a ser pago pelos ônibus em 510 milhões. Ainda assim, Rodrigues embargou o resultado do pregão até o desfecho da investigação conduzida pelo órgão de controle.
Os recursos sairiam do programa Caminho da Escola, destinado a atender crianças da área rural. A operação foi montada por Marcelo Ponte, presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, nomeado por indicação do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Ao solicitar a suspensão do pregão, o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, do Ministério Público junto ao TCU, observou que o FNDE contrariou orientações de sua própria área técnica, a alertar para o risco de sobrepreço.
O episódio contribui para ampliar o desgaste do governo com o escândalo que levou à queda de Milton Ribeiro no MEC. A pedido de Jair Bolsonaro, como sugere um áudio revelado pela Folha de S.Paulo, o então ministro da Educação permitiu que dois pastores, Gilmar Santos e Arilton Moura, intermediassem o repasse de recursos da pasta para cidades. Em depoimento ao Senado, os prefeitos de Boa Esperança do Sul (SP), Bonfinópolis (GO) e Luís Domingues (MA) confirmaram que a dupla cobrava propina para facilitar o acesso às verbas. Moura chegou a pedir, a um desses gestores, 1 quilo de ouro. A outro, propôs uma espécie de venda casada: atuaria em prol do município, caso o prefeito comprasse milhares de suas bíblias.
Há indícios de que o gabinete paralelo montado pelos pastores lobistas atua desde janeiro de 2021. Os recursos intermediados por eles são do FNDE e irrigam prefeituras aliadas do governo federal com velocidade superior à do trâmite burocrático regular, razão pela qual o escândalo recebeu o apelido de “Bolsolão do MEC” nas redes sociais. A Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o TCU investigam o caso.
O goleiro menos vazado
O procurador-geral da República, Augusto Aras, parece realmente empenhado em agarrar todas as bolas que ameaçam Jair Bolsonaro, responsável por sua nomeação e recondução ao cargo. Na segunda-feira 4, ele solicitou que a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, reconsidere a decisão que negou o arquivamento de inquérito contra o ex-capitão no caso relacionado à compra da vacina Covaxin. Caso ela não mude de ideia, Aras pede que o caso seja analisado pelo plenário da Corte. Bolsonaro é investigado por prevaricação. Foi alertado sobre ilegalidades na licitação, mas nada fez. O PGR diz não ter identificado crime, pois, segundo ele, não é dever funcional do presidente “comunicar eventuais irregularidades de que tenha tido conhecimento” a órgãos de investigação.
Obscurantismo/ Guerra às artes
Bolsonaro veta a Lei Paulo Gustavo de incentivo à cultura
O projeto homenageia o ator, uma das vítimas da Covid-19 – Imagem: Redes sociais
Depois da malfadada tentativa de censurar os artistas do festival Lollapalooza, Jair Bolsonaro vetou o Projeto de Lei Complementar nº 73, de 2021, a prever a destinação de 3,86 bilhões de reais da União para estados e municípios socorrerem o setor cultural, um dos mais prejudicados pela pandemia de Covid-19. Batizada de “Lei Paulo Gustavo”, em homenagem ao ator e humorista que morreu aos 42 anos, em decorrência de complicações da doença, a proposta de autoria do senador petista Paulo Rocha foi aprovada pelo Congresso no fim do ano passado.
De acordo com o projeto, os recursos para assistir ao setor cultural viriam do Fundo Nacional de Cultura. O texto estabelece que 2,79 bilhões de reais seriam destinados exclusivamente a ações voltadas ao setor audiovisual. O restante, pouco mais de 1,06 bilhão, deveria ser aplicado em atividades de economia criativa e solidária, como cursos, produções e manifestações culturais, ou no desenvolvimento de espaços artísticos e culturais. O veto ainda pode ser derrubado pelos congressistas.
Atividade paranormal
O advogado do deputado Daniel Silveira, do União Brasil, acionou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, para solicitar a troca da tornozeleira eletrônica instalada no bolsonarista na última quinta-feira 31. O motivo: o equipamento manifesta uma atividade paranormal. “Há indubitável desconfiança da Defesa de que o equipamento tenha adquirido ‘vida própria’, em razão de relatos do parlamentar de ‘ruídos estranhos’ contínuos, além de esporádicas ‘vibrações’ sem qualquer nexo ou causa.” Uma pena que o Padre Quevedo, o “caçador de enigmas”, não está mais entre nós para esclarecer esse mistério.
Ditadura/ Nos passos do pai
Eduardo Bolsonaro debocha da tortura sofrida por Miriam Leitão
Zero Três vê graça nos crimes cometidos pelo regime militar – Imagem: Alan Santos/PR
Em resposta a uma publicação de Miriam Leitão nas redes sociais, na qual ela criticou a “terceira via” por equiparar Lula a Bolsonaro, uma vez que o ex-capitão é um “inimigo confesso da democracia”, o deputado Eduardo Bolsonaro debochou da tortura sofrida pela jornalista na ditadura. “Ainda com pena da cobra”, disse o filho Zero Três do presidente no Twitter.
Miriam foi presa em 1972 e barbaramente torturada pelos agentes da repressão. Além disso, foi obrigada ficar nua na frente dos algozes e passou horas trancada em uma sala com uma jiboia. Na época, ela estava grávida.
Eduardo Bolsonaro faz de tudo para orgulhar o pai, uma carpideira da ditadura, que chegou a dedicar seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais agressivos torturadores do DOI-Codi paulista, onde praticava seus crimes sob o codinome de “Doutor Tibiriçá”. Na segunda-feira 4, o PSOL e a Rede apresentaram ao Conselho de Ética da Câmara um pedido de cassação do deputado após o ataque à jornalista. No mesmo dia, o PT protocolou uma representação contra ele por “apologia da tortura”.
Futebol/ Drible na ética
Sheik e Daniel Alves usam “ONG de prateleira” para receber recursos públicos
A dupla tentou burlar as exigências legais – Imagem: Agência Corinthians e Lucas Figueiredo/CBF
A prática de tomar emprestado o CNPJ de uma organização social para acelerar a obtenção de recursos públicos, conhecida como “ONG de prateleira”, atinge também o mundo da bola. Uma reportagem da Folha de S.Paulo revelou que duas entidades, utilizadas, respectivamente, pelo jogador do Barcelona e da Seleção Daniel Alves e por Emerson Sheik, ex-jogador de Corinthians e Flamengo, tiveram repasses autorizados pelo Ministério da Cidadania no valor de 6,2 milhões de reais. Beneficiados por emendas de deputados bolsonaristas, os atletas apresentaram projetos para a criação de cursos de iniciação esportiva e resolveram dar um drible da vaca na regra que exige experiência mínima de três anos comprovada.
Sheik, que no passado foi pivô de um caso de identidade forjada, desistiu do convênio de 2,7 milhões de reais obtido pelo instituto que leva seu nome, mas que na verdade é o Instituto Qualivida, criado há 26 anos. O episódio remete ao caso que envolveu o Instituto Léo Moura. A ONG do ex-flamenguista recebeu 41,6 milhões de reais em emendas para a criação de escolinhas de futebol em redutos eleitorais do senador Davi Alcolumbre.
Tribunal de Contas de SP sob suspeita
Um acordo de delação homologado pela Justiça de São Paulo coloca em xeque a atuação do Tribunal de Contas do Estado. O delator é o empresário Marcelino Rafart de Seras, ex-presidente da Ecovias, concessionária que administra o Sistema Anchieta-Imigrantes, que liga a capital paulista ao Litoral Sul. Segundo o executivo, as empresas do consórcio teriam pago 2,9 milhões de reais em propina a conselheiros do TCE, para que eles aprovassem as contas anuais das empresas. Ainda segundo Seras, 11 dos 12 grupos que fazem parte do consórcio teriam participado de reunião para definir o pagamento. Em nota, o TCE disse ter compromisso com a transparência e que as dúvidas em relação a esse caso serão esclarecidas. Na delação, o empresário cita ainda formação de cartel e pagamento de propina a políticos.
Ucrânia/ Crime de guerra ou invenção?
Russos e ucranianos sustentam versões diferentes sobre Bucha
Cemitério a céu aberto na “cidade mártir”, segundo o papa – Imagem: Ronaldo Schemidt/AFP
O cenário macabro em Bucha é o foco da nova controvérsia entre o Ocidente e a Rússia. O Kremlin acusa a Ucrânia e seus aliados de forjar as cenas apocalípticas, com corpos amontoados em valas ou espalhados pelas ruas, “manequins” de vidas comuns interrompidas abruptamente. “A que serve esta provocação aberta e mentirosa?”, perguntou o chanceler russo, Sergei Lavrov. “Somos levados a pensar que serve para encontrar um pretexto destinado a torpedear as negociações em curso.” Genocídio e crime de guerra, definiu o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que visitou a cidade arrasada pelos ataques russos. “Se não encontrarmos uma solução civilizada para identificar os responsáveis, o povo ucraniano encontrará uma solução não civilizada”, advertiu. Voz ponderada em meio ao alarido de quem clama por uma “resposta à altura”, o papa Francisco condenou o “massacre”, chamou Bucha de “cidade mártir” e repetiu seus apelos à paz. “Estas são as vítimas cujo sangue inocente clama ao céu e implora: acabemos com esta guerra. Silenciemos as armas. Paremos de semear morte e destruição.”
Peru/ Crise sem-fim
Governo tem dificuldade em lidar com protestos crescentes
Imagem: Gian Masko/AFP
Pedro Castillo, o confuso sindicalista eleito presidente, escapou do segundo processo de impeachment em oito meses de mandato, mas continua refém da crise política que, no Peru, tornou-se parte da normalidade. Na terça-feira 5, o governo decidiu decretar toque de recolher na capital Lima, numa tentativa de conter os intensos e crescentes protestos contra a inflação dos combustíveis e alimentos. A medida durou tanto quanto a desistência de João Doria de concorrer à Presidência da República no Brasil.
No fim da tarde, após negociações com o Congresso, Castillo voltou atrás. “Devo anunciar que a partir deste momento vamos cancelar o toque de recolher”, discursou o presidente. “Apelamos agora ao povo para manter a calma”. Iniciadas no fim de março, as manifestações resultaram em quatro mortes até o momento e estão mais violentas a cada dia. Na segunda-feira 4, populares queimaram praças de pedágio e entraram em conflito com forças de segurança. A popularidade de Castillo atingiu o patamar mínimo, 25%, na medida em que o presidente, para evitar a cassação, cedeu poder e cargos à direita derrotada nas urnas. Quem celebrou o recuo do governo peruano foi a torcida do Flamengo. O toque de recolher ameaçava a estreia do time brasileiro na Copa Libertadores contra o Sporting Cristal, em Lima. A Conmenbol chegou a anunciar o jogo com portões fechados, mas nem isso foi preciso. Apesar do desempenho sofrível, o Flamengo venceu por 2 a 0.
Costa Rica… e neoliberal
O economista Rodrigo Chaves, de 60 anos, superou uma acusação de assédio sexual dos tempos em que trabalhava no Banco Mundial, obteve 52,86% dos votos no segundo turno, derrotou o centrista José María Figueres e será o próximo presidente da Costa Rica. Apesar da vitória, em uma eleição com mais de 40% de abstenção, o eleito terá minoria no Parlamento, 10 de 57 cadeiras, e pediu “espírito público” ao derrotado Figueres, cujo partido elegeu 19 deputados. A pobreza afeta 23% da população. Para combatê-la, o economista oferece a surrada cartilha neoliberal: menos Estado.
EUA/ A cor da Justiça
O difícil caminho de Ketanji Brown Jackson à Suprema Corte
A desculpa dos republicanos é outra: Ketanji Brown Jackson seria “uma ativista liberal perigosa” e, portanto, inapropriada para o cargo. Só não vê, porém, quem não quer. O difícil caminho da advogada indicada por Joe Biden a uma vaga de ministra da Suprema Corte só se explica pela cor da pele. Jackson, se aprovada pelo Senado, será a primeira negra a ocupar uma vaga no tribunal. Na segunda-feira 4, houve empate, 11 a 11, na comissão responsável por avaliar a nomeação. Por causa do resultado, apurado após uma cansativa sessão, o assunto terá de ser decidido em votação no plenário, onde democratas e republicanos possuem o mesmo número de assentos: 50 cada. Desta vez, basta que todos os senadores democratas votem a favor de Jackson, pois, em caso de novo empate, a vice-presidente Kamala Harris exerceria o voto de minerva. A advogada conta ao menos com uma dissidência do outro lado. A republicana Susan Collins antecipou seu voto a favor da indicação.
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1203 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A Semana”
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.