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Observadora na Bolívia, Sâmia Bomfim relata presença ostensiva das Forças Armadas nas eleições

Em entrevista a CartaCapital, deputada diz esperar que ‘golpe de Estado’ seja desfeito a partir destas eleições

Observadora na Bolívia, Sâmia Bomfim relata presença ostensiva das Forças Armadas nas eleições
Observadora na Bolívia, Sâmia Bomfim relata presença ostensiva das Forças Armadas nas eleições
Eleição na Bolívia tem policiamento ostensivo, diz Sâmia Bomfim. Foto: Ronaldo SCHEMIDT/AFP
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Em missão como observadora nas eleições presidenciais da Bolívia, realizadas neste domingo 18, a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) diz que conseguiu cumprir suas tarefas de fiscalização nos locais de votação, mas descreve um cenário de policiamento ostensivo e de intimidação por parte do governo interino de Jeanine Áñez. Sâmia acompanha a eleição como representante do Parlamento do Mercosul (Parlasul), órgão criado em 2006 com representantes do Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Venezuela e Bolívia, segundo informações da plataforma.

 

O Parlasul enviou Sâmia às eleições bolivianas por meio de uma comitiva chefiada pelo presidente do órgão, o argentino Oscar Laborde, e integrada pelo deputado uruguaio Daniel Caggiani e pelos brasileiros Alexandre Andreatta, diretor-executivo do Observatório da Democracia, e Lucas Ribeiro, seu assessor.

O objetivo é que os delegados presenciem todo o processo, desde a instalação das mesas de votação até a divulgação dos resultados por parte do Tribunal Supremo Eleitoral da Bolívia. Sâmia retorna na segunda-feira 19 ao Brasil, mas o resto da comitiva permanece no país. Ao fim dos trabalhos, produzirão um relatório com conclusões sobre o pleito.

O próprio tribunal eleitoral convidou a comitiva, segundo o Parlasul.

No entanto, Sâmia diz que os observadores internacionais não têm sido bem recebidos. A tensão subiu principalmente após o ministro do Governo, Arturo Murillo, ameaçar observadores de expulsão do país e dizer “comportem-se”, em publicação no Twitter, na quinta-feira 15. Na sexta-feira 16, o observador argentino Federico Fagioli chegou a ser detido e acusou a ação como ilegal.

Para Sâmia, que classifica a presidente Jeanine Áñez como “golpista”, é interessante para o governo interino evitar atenções da comunidade internacional. Era para Evo Morales estar no lugar da atual presidente, porque ele foi reeleito em 2019, mas o processo foi acusado de fraude e ele renunciou. Como os números mostraram que não houve irregularidades, o processo que levou Jeanine Áñez ao poder vem sendo acusado de golpe de Estado. Para o desgosto da presidente interina, o ex-ministro de Morales, Luis Arce, é o favorito nestas eleições.

Mas é importante dizer que existe um operativo forte de fiscalização organizado pelos militantes de todos os partidos nos locais de votação, diz a deputada.

CartaCapital: Os trâmites do processo eleitoral mudaram neste ano, em relação ao ano passado?

Está um contexto de crise política muito forte, muitas desconfianças sobre o processo eleitoral, porque existe um novo tribunal eleitoral que foi indicado pelo governo golpista da Jeanine Áñez. Existe um policiamento e a presença das Forças Armadas de forma ostensiva nos locais de votação. E há uma crise política muito profunda, com riscos de não aceitação do resultado eleitoral.

As pesquisas indicam vitória do Luis Arce, do MAS, partido de Evo Morales. O que está em 2º lugar, que é o Carlos Mesa, indica a possibilidade de 2º turno. E o Fernando Camacho, que foi um sujeito com grande responsabilidade no processo de golpe e de imposição da Jeanine Áñez como presidente interina, tem uma prática muito ligada aos setores paramilitares e violentos de repressão e perseguição a militantes da esquerda boliviana. Por isso, é um processo muito tenso, e tem muitos observadores internacionais de diversas instituições do mundo inteiro aqui presentes.

https://twitter.com/samiabomfim/status/1317916727427158019

CC: Os observadores estão sendo bem recebidos?

SB: Na verdade, não. Claro, nós estamos conseguindo cumprir com o nosso papel de circular pelas escolas, fiscalizar os locais de votação, mas o ministro do Governo, Arturo Murillo, disse que os observadores não são bem-vindos, que sabe que eles vieram causar violência, e teve um deputado argentino que foi convidado pela presidenta do Senado daqui e foi duramente reprimido assim que chegou na Bolívia.

Então, é uma situação muito difícil, porque eles sabem que os observadores também têm o papel de divulgar para o mundo inteiro qualquer tipo de irregularidade. E principalmente nós, do Parlasul, que temos a caracterização de que o que houve aqui foi um golpe de Estado, é interessante para um governo golpista e autoritário que o mundo não saiba do que se passa e que não contribua para as conclusões da comunidade internacional. Mas nós seguimos aqui cumprindo com o nosso papel.

CC: Há risco de que o processo eleitoral seja desacreditado, como no ano passado?

SB: Há muito risco de que o processo seja desacreditado, principalmente porque é um tribunal que não tem a confiança do povo, justamente porque o presidente do tribunal foi indicado pelo governo golpista e porque tem essas novidades acontecendo. Uma novidade é que não há mais a contagem preliminar dos votos nos locais de votação. Só há divulgação do resultado lá no final, depois que a contagem for feita de maneira centralizada. Então, até lá, pode ter muita tensão e convulsão social.

Mas é importante dizer que existe um operativo forte de fiscalização organizado pelos militantes de todos os partidos nos locais de votação. Isso é bem importante até para tentar impedir qualquer manobra que possa vir a acontecer.

https://twitter.com/andreattaa/status/1317796803241271296

CC: Por que você considera o governo de Jeanine Áñez como golpista?

SB: Foi golpe porque não houve a escolha da presidente através do voto popular, da vontade da população. Foi uma imposição violenta, com processo de perseguição de militantes. O ex-presidente [Evo Morales] precisou sair do país porque foi ameaçado pelo Exército e porque teve um processo muito racista de composição das instituições, do tribunal superior eleitoral, mas também de composição do próprio governo.

Tiraram os representantes indígenas, que são a maioria do povo boliviano, e colocaram esses setores da oligarquia branca, ligada à extrema-direita e às igrejas evangélicas. Então, sem dúvida, é um golpe de Estado que precisa ser desfeito, e nós esperamos que seja desfeito a partir desse processo eleitoral.

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