Sociedade

“Virou moda chamar de comunista. Falar de democracia virou comunismo”

Transferido à Amazônia após oito anos na cúpula da CNBB, Dom Leonardo Steiner promete não se omitir diante do governo

“Virou moda chamar de comunista. Falar de democracia virou comunismo”
“Virou moda chamar de comunista. Falar de democracia virou comunismo”
Dom Leonardo Steiner, novo arcebispo metropolitano de Manaus (Wikimedia Commons)
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“Estamos tentando governar o País na base de notícias falsas, da agressividade, da violência. Isso não constrói um Brasil. (…).” A afirmação não foi ouvida em nenhum plenário ou palanque, mas do altar. Mais precisamente, na missa que consagrou Dom Leonardo Steiner, ex-secretário-geral da CNBB, o novo arcebispo de Manaus. Depois de oito anos ocupando o cargo de mais destaque da conferência, o catarinense promete manter neste novo capítulo o tom combativo que marcou sua trajetória até aqui.

Sua chegada é vista como um contraponto à apatia que tomou conta da CNBB desde as últimas eleições, em maio. Embora a temida guinada à direita não tenha se concretizado, a conferência tem moderado o tom crítico ao governo. Prevaleceu nos bastidores a tese de que uma reação aguda daria ao bolsonarismo um ‘inimigo ideal’. (Leia a reportagem completa de CartaCapital aqui).

De formação franciscana, Steiner é discípulo de Dom Pedro Casaldáliga, o ‘bispo do povo’. Também mantém proximidade de dom Claudio Hummes, o cardeal brasileiro que mais influencia o papa Francisco. Fora da cúpula da CNBB, pediu à Santa Sé transferência para a Amazônia é o quarto franciscano que, desde o Sínodo, assumiu dioceses naquela região.

O bispo defende uma aproximação dos católicos com a política. “Nesse momento, precisamos de pessoas lúcidas“. Sobre a pecha de ‘comunista’ que muitas vezes recai sobre a CNBB, retruca: “A CNBB teve e tem um papel fundamental na sociedade brasileira, apesar do desejo de que ela se cale. A grande maioria não leu Marx.

Em entrevista a CartaCapital, ele fala sobre o novo ofício e as similitudes entre política e religião.

CartaCapital: Há quem diga que a CNBB, o senhor e o próprio Papa são comunistas. Como reage a essas acusações?

Dom Leonardo Steiner: Dom Helder dizia: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista.” Hoje virou moda agredir as pessoas com comunismo, chamar de comunista. Falar de democracia virou comunismo. Se fala tanto em ideologia e não se percebe que se fala a partir de uma ideologia. A ideologia que não consegue dialogar com outra torna-se devagar, uma espécie de ditadura do pensar e conviver.

Estive por oito anos a serviço da CNBB e encontrei muitas pessoas a serviço dos pobres, discutem democracia e justiça, solidariedade e fraternidade. A CNBB teve e tem um papel fundamental na sociedade brasileira, apesar do desejo de que ela se cale. A grande maioria não leu Marx. É melhor tentar viver o Evangelho, a vida de Jesus, que perder tempo com essas afirmações.

Seguiremos as orientações do Evangelho e do Papa Francisco: abraçar a carne de Cristo, os que sofrem. Não podemos, como Igreja, nos omitir.

CC:Em tempos de aumento da violência e do desmatamento, o que podemos esperar de sua direção?

DLS:O desmatamento já é fruto da disputa por terra. Além da madeira, temos agora de maneira aguda a disputa pelo subsolo, especialmente das áreas indígenas. Nós seguiremos as orientações do Evangelho e do Papa Francisco: abraçar a carne de Cristo. Isto é, os que sofrem. Sofrem os pobres, especialmente os povos originários. e sofre e geme a natureza. Não podemos, como Igreja, nos ausentar e nos omitir. Com a ajuda das nossas lideranças e das comunidades, vamos ajudar na edificação da Casa Comum na nossa Amazônia. 

A CNBB teve e tem um papel fundamental na sociedade brasileira, apesar do desejo de que ela se cale.

CC: Teme que sua posição motive represálias por parte do governo?

DLS: O Executivo foi eleito para dirigir o país. Da parte da sociedade é necessária a crítica, as observações para que os pobres não sejam esquecidos. Por exemplo, não se vendem as estatais desfazendo-se dos bens do Estado.

As Estatais são fundamentalmente para a implementação de política públicas, que são dever do Estado. Elas não visam o lucro; visam o povo brasileiro. O que se propaga é que elas não dão lucro. Essa não é vocação a razão de existir das estatais.

A democracia pede que se escute. A represália vem quando não se suporta a escuta, pois não se suporta a diferença. Sempre fomos pelo diálogo.

Precisamos de pessoas lúcidas para o bem do país. Os bispos devem despertar os leigos para essa atuação

Representantes de grupos étnicos da Amazônia participam de procissão com o papa Francisco no Vaticano (Foto: Andreas SOLARO / AFP)

CC: O senhor afirmou em um evento considerar ‘importante’ a participação dos católicos na política. Em que sentido?

DLS: A participação dos leigos na política é uma vocação que precisa ser cultivada. A política é essencial para uma sociedade. A política é mais que partidos políticos. Ela se expressa também nos partidos políticos. Hannah Arendt dizia, mais ou menos, o seguinte: a política é sair do familiar para o comum, isto é, para o social.

A política é obra da construção e renovação da sociedade. Nesse sentido, São Paulo VI afirmou que a “Política é a suprema forma de caridade” retomando uma expressão de Pio XI. Papa Francisco utilizou a expressão mais vezes. Caridade, porque a política é ação de transformação das estruturas, a fim que a vida na sua totalidade seja vivida na justiça e com dignidade.

O cristão, as pessoas católicas têm o que oferecer para essas transformações estruturais. São chamados a dar sua caridade para o bem do Brasil. E nesse momento político precisamos de pessoas lúcidas para o bem do país. Os bispos devem despertar os leigos para essa atuação, para essa vocação. Não é pouco a CNBB ter um curso de Fé e Política.

Preocupa o comércio que se tem feito com a pessoa de Jesus com sua mensagem. É quase uma agressão à dignidade humana

CC: Estatísticas apontam que, em 2022, os católicos serão, pela primeira vez, menos de 50% da população. É importante reverter esse quadro?

DLS: Não sei da metodologia dessas pesquisas. Normalmente são feitas como as pesquisas nos tempos de eleição. Sabemos que nem sempre esses dados condizem com a realidade. Ouvir 3.000 pessoas e afirmar a porcentagem diante de 200 milhões?

No entanto, mais que “reverter esse quadro” é importante pesquisar e refletir o movimento das pessoas em busca de uma relação com a transcendência. Nesse movimento, detectar as manifestações do tempo da ciência e da técnica, tão próprias, que à primeira vista podem levar à descrença. A Igreja não vive de números, vive de pessoas que vivem o Evangelho e servem os pobres.

Pessoalmente, o que me preocupa é o número sempre maior de pessoas que afirmam não ter religião. Mas também preocupa o comércio que se tem feito com a pessoa de Jesus Cristo e de sua mensagem. É quase uma agressão à dignidade da pessoa humana. Mas vivemos um tempo precioso para a experiência da fé. Como bispos, descobrimos o que se esconde no tempo, mas que mantém o tempo e o espaço do viver e conviver humano. 

CC: Quais as expectativas para a carta pós-sinodal do Papa?

DLS: A expectativa é grande para a Igreja que está na Pan-Amazônia. O Papa nos indicará caminhos para uma presença inteligente e exigente na região. A grande diversidade da realidade urbana e a realidade ribeirinha já nos diz do esforço que vem sendo feito e que nos espera. Levaremos a Exortação às nossas comunidades para que despertem sempre mais para o cuidado e cultivo da terra sem destruí-la, sem entrar na dinâmica e na ótica do mercado.

Como sabemos o Santo Padre tem um apreço pela Amazônia. Sou testemunha desse cuidado, pois em todas as visitas da Presidência da CNBB, ele perguntava pela Amazônia. E nós seguiremos as suas orientações as eclesiais, as orientações para a Casa Comum, as orientações para a nossa relação com os povos originários. A Exortação será riqueza e apoio para a Igreja que está na Amazônia.

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