Tecnologia

Busca por anonimato na web atrai a NSA

A história das tentativas de Janet Vertesi (foto) de esconder sua gravidez das tropas de marqueteiros online mostra como a internet se tornou kafkiana. The Observer

Janet Vertesi tentou esconder sua gravidez dos anunciantes
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Por John Naughton

Quando buscam um adjetivo para descrever nosso mundo conectado em rede e amplamente vigiado – marcado pela Agência Nacional de Segurança (NSA) em uma ponta e por Google, Facebook, Yahoo e companhia na outra –, “orwelliano” é a palavra que as pessoas geralmente usam. Mas “kafkiano” parece mais apropriado.

O termo é convencionalmente definido como “ter uma qualidade absurdamente complexa, bizarra ou ilógica”, mas Frederick Karl, o mais assíduo biógrafo de Franz Kafka, comentou que isto não vai ao ponto principal. “Kafkiano”, ele disse certa vez ao New York Times, “é quando você entra em um mundo surreal em que todos os seus padrões de controle, todos os seus planos, todo o modo como você configurou seu próprio comportamento começam a desmoronar, quando você se vê contra uma força que não se presta à maneira como você percebe o mundo.”

Uma descrição vívida disto foi fornecida recentemente pela socióloga Janet Vertesi, da Universidade Princeton. Em uma conferência, ela fez uma palestra na qual descreveu sua experiência de tentar manter sua gravidez em segredo dos marqueteiros. Seu relato é especialmente pertinente porque as grávidas são vistas pelos anunciantes online como uma das entidades mais valiosas da internet. Você e eu valemos em média apenas 0,10 dólar cada. Mas uma mulher grávida é avaliada em 1,50 dólar porque ela está prestes a embarcar em uma série de decisões de compra que prosseguirão durante a vida de seu filho.

A história da professora Vertesi é sobre os grandes dados, mas de baixo para cima. É um relato pessoal impressionante do que é preciso fazer para não ser coletado, rastreado e inserido em bancos de dados. Primeiro – e mais obviamente –, ela determinou que não haveria qualquer menção a seu novo estado na mídia social. Telefonou ou escreveu individualmente a amigos e parentes para lhes dar a boa notícia e lhes pediu para não mencioná-la no Facebook.

No entanto, um tio da Austrália lhe enviou uma mensagem de parabéns pelo Facebook. “Então eu fiz o que qualquer pessoa racional faria”, disse ela. “Deletei todas as nossas conversas e o retirei da minha lista de amigos.” Ele respondeu queixoso: “Mas eu não coloquei a mensagem na sua linha do tempo” – aparentemente ignorando que as conversas e outras mensagens não são privativas como ele imaginava.

Ao se preparar para o nascimento de seu filho, Vertesi foi absolutamente minuciosa. Em vez de usar um navegador da web do modo normal – isto é, deixando um rastro de cookies e outras pistas digitais, ela usou o serviço online Tor para visitar o site babycenter.com de modo anônimo.

Fez compras fora da rede sempre que pôde e pagou em dinheiro. Nas vezes em que teve de usar a Amazon, Vertesi criou uma nova conta ligada a um endereço de e-mail em um servidor pessoal, mandou entregar todos os pacotes em uma caixa postal e só pagou com cupons de presente da Amazon comprados com dinheiro.

O momento realmente significativo foi quando ela teve de comprar um artigo caro – um carrinho de bebê que equivalia a um veículo esportivo-utilitário. Seu marido tentou comprar 500 dólares em cupons de presentes da Amazon com dinheiro, mas descobriu que isto provocava uma advertência: os comerciantes têm de relatar as pessoas que compram grande número de cupons de presentes com dinheiro porque… bem, você sabe, obviamente elas estão lavando dinheiro.

Nessa altura, alguns outros pensamentos preocupantes começaram a surgir. O primeiro é a observação de Melvin Kranzberg de que “a tecnologia não é boa nem má; também não é neutra”. Nossas tecnologias trazem valores embutidos, e é por isso que Vertesi, em sua palestra, cita a observação de alguém de que “o iPod é um instrumento para nos tornar morais” (porque ele incentiva as pessoas a comprar música, em vez de baixá-la de modo ilícito). De fato, filósofos discutem se a vigilância incentiva o comportamento moral, isto é, aprovado socialmente (pense nas câmeras de controle de velocidade).

Ainda mais preocupantes, porém, são as implicações da decisão da professora Vertesi de usar o Tor como maneira de manter o anonimato em sua navegação. Ela teve um motivo perfeitamente razoável para fazê-lo – garantir que, como futura mãe, não seria rastreada e visada por marqueteiros online. Mas sabemos pelas revelações de Snowden e outras fontes que os usuários do Tor são automaticamente vistos com suspeita pela Agência Nacional de Segurança e todos mais, sob a alegação de que as pessoas que não desejam deixar uma pista digital obviamente têm más intenções.

O mesmo vale para as pessoas que criptografam seus e-mails. É por isso que a reação da indústria aos protestos sobre rastreamento é tão inadequada. O mercado vai resolver o problema, dizem as empresas, porque se as pessoas não gostam de ser rastreadas elas podem optar por não o ser. Mas a experiência de Vertesi mostra que, quando você toma medidas para evitar o rastreamento, aumenta a probabilidade de que isso aconteça. O que é realmente kafkiano.

Leia mais em guardian.co.uk

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