No que é provavelmente o mais importante ato de regulação da Internet da história recente, a Federal Communications Commission (FCC), que equivale à Anatel nos Estados Unidos, anunciou na última semana que irá adotar regras de neutralidade da rede mais rigorosas em reunião a ser realizada no final de fevereiro.
Fonte constante de controvérsias para muitos órgãos regulatórios nacionais, a neutralidade da rede parte da noção de que os dados que trafegam na Internet devem ser tratados igualmente, sem distinção por origem, destino ou tipo. As regras que a FCC está para adotar são a última tentativa de promover a neutralidade da rede nos EUA, após duas tentativas terem sido anuladas pelos tribunais americanos em 2010 e 2014. O Brasil garantiu em lei a obrigatoriedade da neutralidade da rede com a aprovação do Marco Civil da Internet em abril de 2014.
As regras de neutralidade da rede propostas pela FCC prometem ser rigorosas, e definitivamente passarão uma mensagem ao mundo, incluindo o Brasil, especialmente porque os Estados Unidos sempre mostraram-se céticos quanto a regulações amplas. Tradicionalmente, sempre apoiaram mercados desregulamentados.
Um resumo das regras a serem propostas indica que haverá a proibição de bloqueio, da redução da velocidade de tráfego, do zero-rating (a oferta de serviços como Facebook e Whatsapp de graça em celulares) e da priorização paga do tráfego, demonstrando o apoio significativo que a neutralidade da rede tem recebido até nas economias mais liberais. O movimento encontra eco no Brasil. Principal articulador do Marco Civil da Internet na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon reafirmou que a neutralidade da rede é a regra e que quaisquer exceções devem obedecer o texto da lei.
Também é possível esperar que as novas regras dos EUA tenham um impacto direto na experiência dos usuários de Internet no Brasil e em outros países. Até então, as obrigações nos Estados Unidos aplicavam-se somente para as relações entre os provedores de conexão de Internet e os usuários finais domésticos. Com as novas regras, a FCC terá mais autoridade para atuar sobre as relações entre provedores de conteúdo (como Netflix e Facebook) e os provedores de conexão à Internet. Ou seja, a FCC poderá atuar em mais uma parte da complexa cadeia que compõe a Internet para assegurar a neutralidade de rede. Mantida a neutralidade em todo o resto dessa cadeia, os usuários brasileiros não veriam qualquer diferença na velocidade ou qualidade da sua rede ao acessar dois serviços distintos nos EUA.
As regras ainda não estão cristalizadas, e a FCC deverá enfrentar grande resistência. Grandes empresas de telecomunicações como a Verizon já ameaçaram entrar com ações legais e um projeto de lei está circulando no Congresso para extinguir a regulação proposta pela FCC. Os detalhes destas regras serão votados em 26 de Fevereiro, na reunião mensal da entidade. Tanto lá, como no Brasil, a batalha em torno da neutralidade deve continuar.
*Konstantinos Stylianou é pesquisador visitante no Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV DIREITO RIO e doutorando e pesquisador na University of Pennsylvania Law School.