Entrevistas
Isabela Kalil: X resolve representação legal, mas será pressionado por moderação de conteúdo
Em entrevista a CartaCapital, a antropóloga destaca a experiência com o Bluesky e projeta uma segmentação das redes sociais
O X (ex-Twitter) resolveu o problema da ausência de representação legal no Brasil, mas enfrentará uma cobrança crescente para ser minimamente efetivo na moderação de conteúdo, projeta a antropóloga Isabela Kalil, uma das principais pesquisadoras da extrema-direita no País.
Usuários brasileiros começaram a retomar o acesso ao X entre a terça-feira 8 e esta quarta, após o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinar o retorno da rede social de Elon Musk ao ar.
O bloqueio vigorava desde o fim de agosto e terminou após a empresa regularizar suas pendências judiciais, em especial o pagamento de multas e a designação de um representa formal. Para Kalil, isso não esgota, contudo, as lacunas no funcionamento da plataforma.
“Não adianta nada ter representação legal e ter nenhuma moderação de conteúdo, que é o que acontece atualmente”, afirmou, em entrevista ao programa Direto das Eleições, no canal de CartaCapital no YouTube. “Muito provavelmente caminharemos para uma situação em que fique inadmissível uma plataforma sem moderação de conteúdo.”
Enquanto o Congresso se recusa a discutir a regulamentação das redes, o STF pode julgar ainda neste ano um processo que questiona a constitucionalidade do artigo 19 da Lei do Marco Civil da Internet. O dispositivo exige uma ordem judicial específica antes de sites, provedores de internet e aplicativos de redes sociais serem responsabilizados por conteúdos prejudiciais publicados por outras pessoas.
O Supremo tem sido instado a reconhecer a possibilidade de punir as plataformas por permitirem a circulação de posts com teor golpista ou alusão a violência contra determinados grupos sociais, independentemente de decisão judicial.
É impossível determinar agora, pondera Kalil, o que farão Musk e o X – mas eles serão cada vez mais pressionados pelo Brasil e por outros países a coibir conteúdos criminosos e discursos de ódio.
Um exemplo didático vem da Europa. Desde que Pavel Durov, o fundador do Telegram, foi detido na França, a empresa mudou sua postura no trato com a Justiça. Do pouco caso aos pedidos de informações sobre seu funcionamento, passou a colaborar com as autoridades francesas e disponibilizou dados que podem contribuir, por exemplo, para desvendar casos de abuso sexual infantil nas redes.
A antropóloga avalia, também, haver uma mudança na perspectiva sobre as plataformas digitais. Ela menciona a migração de brasileiros ao Bluesky no período em que o X esteve inacessível e enfatiza que a rede de Musk virou um espaço propício para a extrema-direita.
“O que tem aparecido é que o futuro das plataformas é uma segmentação: teremos plataformas para quem é da extrema-direita e plataformas que tendem a ter mais usuários progressistas.”
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.



