Sustentabilidade

Um ano do vazamento de óleo no Nordeste: incertezas ambientais e desamparo de pescadores

‘Ainda não tínhamos nos recuperado da chegada do petróleo, e aí veio a pandemia’, conta pescadora. Marinha diz continuar no caso

Visita indesejada. Moradores das praias atingidas foram surpreendidos com a chegada da borra densa e preta. Foto: Raul Spinassé/Folhapress
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O dia 30 de agosto de 2019 está marcado na história como a data de mais uma tragédia ambiental brasileira. Nesse dia, um óleo de origem não identificada, mas de alta densidade, cheiro forte e rápido potencial destrutivo começou a se alastrar pelo litoral nordestino. O saldo de um ano depois é de inconclusão nas investigações, desamparo de pescadores e um dano ambiental preocupante.

A demora na resposta das autoridades ambientais brasileiras, encabeçada pelo ministro Ricardo Salles, unida com o ineditismo do episódio, fizeram com que os próprios pescadores, moradores locais e voluntários corressem contra o tempo para limparem o litoral manchado. Depois, operações conduzidas pela Marinha e por órgãos como o Ibama retiraram, ao todo, 5.7 toneladas de resíduos da costa nordestina.

Com o auxílio de pesquisadores de universidades federais e da Petrobras, tentou-se descobrir qual seria a origem do óleo. A substância foi identificada como venezuelana, mas, até hoje, a Marinha não conseguiu concluir qual teria sido a embarcação responsável pelo desastre.

Em novembro, a Polícia Federal passou a investigar cinco empresas gregas que controlam navios-petroleiros. Já em dezembro, surgiu a hipótese do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) de que o óleo teria vindo do mar africano.

Na primeira fase de investigações, segundo um relatório da Marinha encaminhado à PF em 24 de agosto, os militares afirmam que o derramamento foi feito a 700 km da costa brasileira e demorou 40 dias para chegar ao litoral. “Os trabalhos permanecerão até que o responsável pelo crime ambiental seja identificado”, afirmou a Marinha em nota.

“Ainda não tínhamos nos recuperado da chegada do petróleo, e aí veio a pandemia”

A pescadora de mariscos Maria Eliane do Vale, de 50 anos, lembra de correr contra o tempo quando o óleo chegou na praia do Pontal de Maceió, em Fortim, Ceará. A ajuda de barreiras de contenção construídas na Barra do Fortim fez com que voluntários e autoridades conseguissem retirar o bruto do petróleo, mas o problema estava longe de ter sido resolvido nas margens do Rio Jaguaribe, de onde Maria tira seu sustento.

“O óleo fez o estrago e matou nosso marisco e alguns peixes. Ele chegou ao pé do mangue e afetou o berçário natural, onde os peixes se reproduzem.”, lembra. “O marisco era rejeitado onde eu chegava pra vender, e, por isso, eu perdi minha autonomia financeira”.

O óleo foi embora aos poucos, mas a chegada do coronavírus e sua dissipação rápida pelo Brasil, que já fez morreram mais de 120 mil pessoas pela Covid-19 e tem impactos históricos no emprego e renda do brasileiro, representou mais um desafio aos pescadores.

Maria conta que os moradores da comunidade de Jardim, onde mora em Fortim, se revezaram para fazer uma barreira sanitária na entrada do vilarejo. Moradores assumiram postos na entrada do local, e só podia entrar e sair quem residia na região. Segundo ela, isso fez com que o vírus não vitimasse nenhum dos pescadores locais, mas os impactos financeiros continuaram se acumulando.

Manchas de óleo no mar da costa nordestina (Foto: Marcos Rodrigues/AFP)

Por isso, Maria diz receber com preocupação a notícia de que o governo federal especula acabar com o pagamento do seguro defeso, um valor ressarcido aos pescadores em época de reprodução dos peixes para evitar impactos socioambientais. O ministro da Economia, Paulo Guedes, queria acrescentar o valor ao programa Renda Brasil, que visa substituir o Bolsa Família.

Em nota, o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) afirma que a medida pode criminalizar os pescadores artesanais e que o “seguro defeso não é uma política de transferência de renda, e sim uma política ambiental que tem como fim assegurar a reprodução das espécies e preservar a biodiversidade”.

Devastação ambiental

Pesquisadores do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ibio/UFBA) estimaram, em reportagem do jornal baiano Correio, que a natureza vai levar no mínimo 10 anos para se recuperar.

Francisco Kelmo, diretor do Ibio/Ufba, afirmou que houve grande “perda de biodiversidade, redução da densidade populacional e o aumento de doenças em corais da região”.

Uma das principais preocupações é com a situação dos corais. Segundo Kelmo, a estimativa anual média de branqueamento de corais, que ficava entre 5% e 6%, saltou para 51,7% com a chegada do óleo. Entre fevereiro e julho de 2020, até 85% dos corais manifestavam as condições precárias de adoecimento.

Os corais, que foram os recifes de corais, são ecossistemas próprios para a alimentação e reprodução de diversas espécies marinhas. Uma em cada quatro espécies marinhas vive nos recifes, incluindo 65% dos peixes, estima o Ministério do Meio Ambiente. O branqueamento é um sinal comum de que o coral está morrendo.

Campanha “Mar de Luta”

Maria Vale, em conjunto com outras organizações de pescadores, faz parte da campanha Mar de Luta, lançada neste domingo 30 e que visa responsabilizar o Estado pela falta de respostas e pesquisas sobre os impactos ambientais, econômicos e sociais do derramamento de óleo no Nordeste.

A campanha também pede um processo rigoroso de avaliação e monitoramento das praias, mangues e oceanos atingidos e se opõe à abertura de novos poços de petróleo nos mares e oceanos.

Neste domingo, às 15h, os organizadores farão uma transmissão ao vivo pelas redes sociais em nome da “justiça social” para os povos atingidos pelo desastre ambiental.

Fazem parte da Campanha Mar de Luta o Conselho Pastoral dos Pescadores, o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros Marinhos (Confrem), Rede Manguemar e Núcleo de Estudos Humanidades, Mares e Rios da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Coletivo de Comunicação Intervozes e Mídia Ninja.

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