Sustentabilidade

Países europeus pressionam Mourão a conter destruição ambiental

Carta menciona perigo de negócios com o Brasil serem inviabilizados por conta das ações ambientais do governo

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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As maiores queimadas dos últimos anos no Pantanal e os recordes sucessivos de desmatamento na Amazônia motivaram, novamente, que países europeus pressionassem o vice-presidente Hamilton Mourão por melhores respostas aos danos ambientais brasileiros mais recentes.

Em carta endereçada a Mourão, um grupo de países que se reúnem em nome das Parcerias das Declarações de Amsterdã  – Dinamarca, França, Alemanha, Países Baixos, Reino Unido, Itália, Noruega e Bélgica – cobram providências.

O vice-presidente, como presidente do Conselho da Amazônia, tem tomado a frente dos debates desde que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi considerado inoperante no sentido estratégico.

O documento destaca o antigo legado do Brasil como um exemplo na redução de desmatamento, na elaboração de leis ambientais, como o Código Florestal e a moratória da soja na Amazônia, mas coloca rapidamente o contraponto do que tem sido visto nos últimos tempos.

“Estamos extremamente preocupados com essa tendência e seus efeitos negativos, dentre outros, sobre as opções de desenvolvimento sustentável no Brasil, as opções de subsistência de povos indígenas e comunidades locais, bem como sobre as florestas primárias e a biodiversidade dentro e fora das florestas”, diz o texto.

Sem ameaçar, mas alertando sobre um possível boicote aos produtos brasileiros e pedindo “ações imediatas”, os formuladores lembram que há pressão nos países europeus para que os alimentos sejam de origem segura e sustentável.

Na França, por exemplo, um manifesto de 24 ONGs francesas pedia ações concretas do país contra as queimadas, como a recusa do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, assinado no ano passado entre os dois blocos.

Alegando “esforços coletivos” para aumentar a quantidade de produtos negociados entre o Brasil e o bloco europeu, os assinantes do documento argumentam que tais medidas, que poderiam auxiliar na recuperação econômica do País no pós-pandemia, estão cada vez mais ameaçadas devido ao posicionamento ambiental do governo Bolsonaro.

“Na Europa, há um interesse legítimo no sentido de que os produtos e alimentos sejam produzidos de forma justa, ambientalmente adequada e sustentável. Como resposta a isso, agentes comerciais, como fornecedores, negociantes e investidores, vêm refletindo cada vez mais esse interesse em suas estratégias corporativas”, escrevem. [Leia carta completa abaixo]

Mourão pediu reunião de emergência após carta

Nesta quarta-feira 16, Mourão convocou, de última hora, uma reunião com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e com a ministra da Agricultura e Pecuária, Tereza Cristina.

Nos últimos dias, porém, o vice fez declarações negacionistas sobre os dados compilados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), que reúne e atualiza diariamente informações de satélite sobre os focos de incêndio ativo no País.

“É alguém lá de dentro que faz oposição ao governo. Eu estou deixando muito claro isso aqui. Quando o dado é negativo, o ‘cara’ vai lá e divulga. Quando é positivo, não divulga”, declarou Mourão a jornalistas na entrada do prédio da Vice-Presidência.

Leia a carta completa dos países europeus:

“Vossa Excelência vice-presidente Antônio Hamilton Martins Mourão,

Durante muito tempo o Brasil foi pioneiro na redução do desflorestamento na Amazônia, por meio do estabelecimento de instituições científicas independentes respeitadas, para garantir o monitoramento rigoroso e transparente, juntamente com órgãos de fiscalização da lei, o reconhecimento dos territórios indígenas e uma sociedade civil vibrante. O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desflorestamento na Amazônia Legal, o Código Florestal Brasileiro e a Moratória da Soja na Amazônia são reconhecidos pela diferença que fizeram na redução do desflorestamento. Como resultado, as empresas passaram a dar preferência para produtos advindos da Amazônia brasileira, devido aos elevados padrões em vigor na região, dando confiança aos consumidores.

Entretanto, nos últimos anos, o desflorestamento aumentou em taxas alarmantes, recentemente documentadas pelo INPE. Sem dúvida, isso confirma a importância fundamental de garantir que os órgãos governamentais nacionais possuam a capacidade adequada para monitorar essas tendências e aplicar as devidas leis. Estamos extremamente preocupados com essa tendência e seus efeitos negativos, dentre outros, sobre as opções de desenvolvimento sustentável no Brasil, as opções de subsistência de povos indígenas e comunidades locais, bem como sobre as florestas primárias e a biodiversidade dentro e fora das florestas.

Os países que se reúnem através da Parceria das Declarações de Amsterdã compartilham da preocupação crescente demonstrada pelos consumidores, empresas, investidores e pela sociedade civil Europeia sobre as atuais taxas de desflorestamento no Brasil. Na Europa, há um interesse legítimo no sentido de que os produtos e alimentos sejam produzidos de forma justa, ambientalmente adequada e sustentável. Como resposta a isso, agentes comerciais, como fornecedores, negociantes e investidores, vêm refletindo cada vez mais esse interesse em suas estratégias corporativas.

Nossos esforços coletivos para gerar um maior investimento financeiro na produção agrícola sustentável e melhorar o acesso de produtos obtidos de forma sustentável aos mercados também poderia apoiar o crescimento econômico do Brasil. Contudo, enquanto os esforços europeus buscam cadeias de suprimento não vinculadas ao desflorestamento, a atual tendência crescente de desflorestamento no Brasil está tornando cada vez mais difícil para empresas e investidores atender a seus critérios ambientais, sociais e de governança.

Os governos brasileiro e europeu vêm há muito tempo desenvolvendo uma cooperação estreita visando o benefício mútuo bem como o bem de nossos cidadãos. Juntos, encontramos soluções para o desenvolvimento sustentável, que fortalecem a economia do Brasil, respeitam a soberania do país e protegem áreas de alto valor de conservação, tais como as florestas primárias na Amazônia. Um foco constante de nossa colaboração sempre tem sido envolver todas as partes interessadas e respeitar os direitos dos cidadãos, incluindo os povos indígenas e as comunidades locais.

No passado, o Brasil demonstrou ser capaz de expandir sua produção agrícola e, ao mesmo tempo, reduzir o desflorestamento. Os países que se reúnem através da Parceria das Declarações de Amsterdã contam com um compromisso político firme e renovado por parte do governo brasileiro para reduzir o desflorestamento e esperam que isso se reflita em ações reais imediatas.

“ Parceria das Declarações de Amsterdã está comprometida em buscar cadeias de suprimento de produtos agrícolas sustentáveis e não associadas ao desflorestamento para nossos países – o que consideramos importante para a nossa iniciativa bilateral individual, bem como para outras iniciativas multilaterais importantes no sentido de intensificar os esforços para conservar, restaurar e manejar de maneira sustentável as florestas em todo o planeta. Estamos dispostos a intensificar o diálogo com agentes das cadeias de suprimento de commodities, incluindo produtores, negociantes, importadores e outras partes interessadas, tais como legisladores, sociedade civil, povos indígenas e cientistas, em busca de cadeias de suprimentos agrícolas não vinculadas ao desflorestamento e uma demanda de longo prazo para mercadorias produzidas de forma sustentável. Isso também contribuirá para o estabelecimento de um setor agrícola próspero e sustentável.

Gostaríamos de ter a oportunidade de discutir esse desafio junto com Vossa Excelência, através de nossos representantes diplomáticos, na esperança de que possamos trabalhar com base numa agenda comum, juntamente com outros parceiros europeus, para garantir um futuro próspero e sustentável para o nosso povo, o clima e o meio ambiente.

Alemanha, em nome de todos os países europeus que se reúnem através da Parceria das Declarações de Amsterdã

Com as mais profundas considerações,

Julia Klöckner

Dr. Gerd Müller”

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