Sustentabilidade

Meio ambiente: especialistas apontam erros e acertos nos planos dos presidenciáveis

A convite de CartaCapital, uma ex-presidente do Ibama, um líder da sociedade civil organizada e uma antropóloga indígena analisam os planos de Lula, Ciro, Tebet e Bolsonaro

Suely Araújo, ex-presidente do Ibama; Célia Xakriabá (PSOL-MG), educadora índigena e Márcio Astrini, diretor-executivo do Observatório do Clima — Foto: ABR; Reprodução e Márcia Alves/Observatório do Clima
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Diante do aumento de 52% do desmatamento da Floresta Amazônica, a expansão da grilagem ilegal e do desmonte de órgãos fiscalizadores de proteção do meio ambiente, como a Funai, as demandas socioambientais se escalaram para um nível de urgência nunca antes registrado. 

Para tratar dos caminhos possíveis para os próximos anos ante a devastação, CartaCapital entrevistou Suely Araújo, ex-presidente do Ibama de 2016 a 2018; Célia Xakriabá (PSOL-MG), educadora índigena, doutoranda em antropologia e Márcio Astrini, diretor-executivo do Observatório do Clima.

Os especialistas analisaram as propostas inseridas nos planos de governo dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto, Lula (PT), Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) e como eles pretendem resolver este cenário.

Confira a seguir:

CartaCapital: O que o governo Bolsonaro deixa para o meio ambiente? 

Suely Araújo: O governo Bolsonaro deixa um legado de completa desconstrução da política ambiental. Este governo vê a política mental como obstáculo, como regras que têm que ser removidas e tem uma visão de crescimento econômico arcaica que separa crescimento econômico da proteção ambiental. O pressuposto deles é que degradar destruir é necessário para garantir renda para garantir crescimento. Isso é completamente atrasado, é um tipo de posicionamento da década de 50, de 60 do século passado. 

Eles realmente entraram com um projeto de destruição e suas bases, infelizmente, foram bastante eficazes. Nós vamos ter que reconstruir a política ambiental. Isso vai ter que ser feito desde os primeiros dias do próximo governo, vai ter que ser uma atuação conjunta interministerial com fortalecimento do Ministério do Meio Ambiente, mas inclusão da questão ambiental, como uma questão de Estado, como uma questão que está ligada a garantia de geração de renda de forma sustentável para os brasileiros a garantia de futuro.

Célia Xakriabá: Bolsonaro foi o pior governo do Brasil e da humanidade, porque ele é um um governo anti-ambientalista, anti-vida e anti-indígena. Em 2019, eu fiz parte da comitiva dos povos indígenas do Brasil que entregou ao Tribunal Penal Internacional, uma carta denunciando o governo Bolsonaro por um ecocídio e um crime contra a humanidade. Neste momento entender todos os crimes ambientais e entender todas as formas dele de não lidar com compromisso com a vida no período do Covid-19, entendendo que quando aconteceu aquilo lá em Manaus, por falta de oxigênio, nós podemos passar [com uma reeleição] por um colapso muito pior que é causado pelas mudanças climáticas.

Márcio Astrini: O crime ambiental tomou o poder com o governo Bolsonaro sentou na cadeira da presidência da república, na cadeira do ministro do meio ambiente e enquanto as outras posições ali na Esplanada. 

O que ele escreve no plano dele é obra de ficção. O que ele vai deixar para o próximo governo é um legado terrível. O governo Bolsonaro é um chute no balde, a comparação que costumo dizer é assim: se todos os governos do mundo fossem igual ao governo Bolsonaro por um ou dois anos, o planeta tinha acabado, porque ele faz tudo que ele pode de forma destrutiva, no menor espaço de tempo possível.

O que nós vamos escolher nas urnas para a questão ambiental, é se a gente ficar com a Amazônia ou se a gente fica com o Bolsonaro os dois não dá para ter ao mesmo tempo.

CC: Um dos destaques do plano de Lula é a recuperação das capacidades estatais para fortalecer o Sistema Nacional de Meio Ambiente e a Funai. Este é mesmo um ponto chave? 

Suely: A recuperação em geral dos órgãos públicos atua nessa linha. Os órgãos federais do Sistema Nacional do Meio Ambiente precisam ser reforçados, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), ele foi reduzido como administração direta, né? 

Nós temos defendido o retorno de órgãos que saíram do sistema MMA, como Agência Nacional de Águas e os serviços florestais brasileiro. O MMA precisa ser recomposto e precisa retomar sua força. O Ibama e Instituto Chico Mendes precisam ter recursos pessoais, autoridade e delegação para fazer o que eles precisam fazer, então esse é um passo necessário mesmo. Para isso, nós precisamos de mais recursos orçamentários, um sistema ligado ao MMA. Na verdade, ele representa no orçamento da União, uma fração irrisória é muito pouco dinheiro, sempre foi pouco mas está cada vez menor. 

Célia: O que mais chama atenção na proposta do governo Lula é que Funai pode ser presidida, pela primeira vez, como um compromisso histórico, por um indígena e que eles se comprometeram junto conosco no acampamento Terra Livre desse ano, em Brasília, que uma vez eleito criar um Ministério indígena. Mas não basta somente criar o ministério indígena, é preciso também fortalecer as nossas candidaturas porque nós vamos chegar ao Congresso Nacional. No lado de fora, nós já fazemos resistência, agora nós vamos fazer a governança do lado de dentro do Congresso Nacional e principalmente é muito importante elogiar as candidaturas indígenas, inclusive para ter autonomia de compor esse Ministério indígena. Nesse sentido, também queremos a presença indígena no Ministério do Meio Ambiente, afinal quem mais defende o meio ambiente e que está preparado para esses lugares? Se não somos nós que já a defendemos com a nossa própria vida.

Márcio:  Na proposta de governo dele, a gente precisa saber quais são essas estatais, mas por exemplo, se ele tiver falando de todo o sistema bancário e de crédito gerenciado pelo governo, isso é extremamente importante. Você não dá crédito para quem desmatou. Você não dá crédito para quem está na ilegalidade com a questão ambiental.

Lula, eu acho que foi o governo mais bem sucedido em termos de número para a questão do desmatamento em si, porque ele herdou todas essas realizações do governo Fernando Henrique, fez uma outra grande quantidade de áreas protegidas e instituiu um sistema de repressão ao crime na Amazônia e também de alternativas econômicas que nunca tiveram. Assim o governo Lula abaixa o desmatamento em quase 70% durante a gestão dele.

CC: Uma das propostas de Ciro é o zoneamento econômico e ecológico, como uma estratégia de desenvolvimento regional e integração da agropecuária e da floresta. 

Suely: O zoneamento ecológico e econômico é uma ferramenta aplicada a décadas no País, agora é verdade que você tende a conseguir resultados melhores com o zoneamento mais regionalizado, do que uma atuação do governo federal sozinho.

É interessante o governo federal estimular o ZS, apoiá-los tecnicamente, mas o zoneamento é uma ferramenta para decisões em políticas públicas, ele por si só não resolve. Então, ele é um conjunto de análises em que você aponta situações de cada área, vocações de cada área e depois nas diferentes políticas públicas, você tem que olhar o que falta por essas análises. 

Tecnicamente é correto, já é feito em partes do nosso território, e sim, o governo federal pode voltar a estimular. Mas o zoneamento é um fator não é a solução para todos os males, ele é uma ferramenta, ou não, nem isso, porque ele é uma base de dados. Se você esperar fazer zoneamento ecológico econômico no país inteiro para agir, vai acabar Amazônia antes disso, tá?

Célia: Ele faz algumas citações, mas pergunto, e porque nos últimos dias [em Belém], ele até chegou a falar que precisa pensar em se discutir mineração nos territórios indígenas? É o mesmo tipo de discurso, por exemplo, do presidente da casa no Congresso Nacional, Arthur Lira, que diz que é preciso ter coragem para enfrentar a aprovação da mineração nos territórios indígenas. Estamos em pleno século XIX mas vivendo como se estivéssemos no século 19. O nosso compromisso mais civilizatório precisa ser com a vida, e aí, além disso, Ciro não cita o compromisso com a demarcação dos territórios indígenas e nem com o combate da violência nos territórios indígenas.

CC: É possível que o agronegócio seja realmente integrado à preservação ambiental? Como? 

Suely: Com certeza é possível. Hoje nós não precisamos desmatar florestas nativas para a expansão do agronegócio. Nós temos muitas áreas degradadas que podem ser recuperadas.

A preservação ambiental pode gerar empregos, nesse sentido, ela é benéfica na parte de sequestro de carbono, na parte climática então nós temos como usar áreas que já foram exploradas e que precisam ser recuperadas. Os produtores rurais precisam manter as reservas legais em áreas de preservação permanente. Isso é super importante, mas além disso a pauta tem que ser agropecuária de Baixo Carbono e o Brasil sabe fazer isso e faz propaganda pelo exterior quando o governo vai nas conferências internacionais.

Só que o plano ABC da Agricultura de Baixo Carbono representa só 2% [do investimento] no Plano Safra, e se me perguntarem deveria ser 100%. 

Isso é um passo importante para garantia de padrões sustentáveis na nossa agropecuária que é relevante, só que ela tem que ser feita nos melhores critérios do ponto de vista de Proteção Ambiental que a gente conseguir essa vai ser a força do nosso agro, a força verdadeira de um agro que exporta mas um agro que exporta sem degradar o seu País e sem causar danos que não ficam restritos ao País. 

Os danos climáticos causados pelo tanto de desmatamento, como pela agricultura feita agropecuária sem os cuidados necessários, são danos que vão para o mundo. O Brasil hoje é o sexto maior emissor de gás de efeito estufa do mundo. Nós não somos nem a China, nem os Estados Unidos.

Nós contribuímos bastante com as emissões de gases de efeito estufa e 46% das nossas emissões do quadro de emissões brasileiras são de mudança de uso da terra. E o desmatamento é um elemento central desse percentual, 27% são da agropecuária então se nós somarmos 27% com 46%, dá 73% das nossas emissões são associadas de alguma forma ao meio rural, então tem como evoluir muito tem há muito que ser feito e é possível. 

Célia: Eu acredito muito que a nossa relação com o agro precisa ser muito mais combativa, é claro que é possível pensar em diálogos, mas eu acredito que outro lado de lá, de uma bancada conservadora, de uma bancada que permite o “passar da boiada”, a nossa relação é muito mais do que pensar um projeto transição para pensar um projeto mais duradouro para humanidade. 

O que acontece nesse momento é que as pessoas não fazem a reflexão de que são 522 anos de exploração, a nossa luta — nós mulheres indígenas, temos um projeto que é referenciamento e corações para cura da Terra, não se trata somente de referência aos hectares desmatados mata a dentro. Não é somente para reflorestar, é principalmente para não desmatar, porque reflorestar demora tempo demais. Demora 10 anos, demora 50 anos, pode demorar até 100 anos.

Márcio: A primeira coisa a se fazer [para tratar da preservação] é tratar da questão indígena. Eles estão sendo assassinados pelo crime de proteger a floresta e pelo crime de viver conforme a Constituição determina e dá a eles o direito de viver nas suas áreas. Então, a primeira coisa é realizar a desintrusão dessas áreas, a desocupação dos invasores e terminar os processos de reconhecimento das áreas. As terras são saqueadas praticamente porque as pessoas entram lá não para produzir, elas entram lá para querer um dinheiro de ressarcimento de benfeitorias supostas feitas numa área que não devemos, então a questão é tirar os invasores. E você ter a questão da demarcação andando, ter os processos analisados é fundamental.

CC: No plano de Simone Tebet, um dos eixos é o de economia verde e desenvolvimento sustentável, que se baseia em uma ideia de ‘desmatamento ilegal zero’. Como fazer isso seja? 

Suely: Nós defendemos o desmatamento zero, que significa que você tem que primeiro tirar todas as licenças necessárias que permitam desmatar, né? Então, “desmatamento ilegal”, é só desmatar naqueles locais e nas situações em que é cabível você desmatar, mas o desmatamento zero ele impõe uma recuperação ambiental na mesma sequência para conta final ser zero. 

O problema, na minha opinião, está nessa expressão “desmatamento ilegal zero”, porque você tem uma série de medidas no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas que podem transformar o desmatamento que hoje é ilegal em desmatamento legal. 

A parte mais arcaica da bancada ruralista, não tô nem colocando a bancada toda, ela defende permanentemente legislações que tornam aquilo que foi desmatado regularizado. 

Célia: Acredito que nesse momento nós não podemos pensar que existe um projeto da vida que dialoga com o projeto da morte, porque no relatório que a APIB fez, nós tivemos sangue indígena de não aguentar mais. Fizemos o rastreamento de vários produtos que vão para fora do Brasil, vão a partir de territórios indígenas com muito trabalho escravo que viola os direitos humanos, além de quando se exporta soja,  também exportando as nossas vidas e as nossas vidas não se exporta, as nossas vidas importam. 

É preciso urgentemente pensar em um projeto de transição econômica, nós mulheres indígenas, estamos discutindo com o momento, nós temos a alternativa agroecológica. É outro modelo de economia, mas ele precisa ser pensado a partir de um desenvolvimento sustentável que nasce do lado de dentro.

Márcio: No que a gente tem hoje no Brasil é uma linha de pensamento interessante, o problema é que ela termina aí, ela fica no pensamento interessante, ela não chega a se tornar realidade. Porque o que eu diria perguntaria para todos esses candidatos é o seguinte, qual é o plano e o que vai ser preservado na Amazônia? O que vai ser para a agropecuária se expandir? E aonde ela não pode pisar? Quais as áreas que vão ser protegidas para além das que a gente tem e quais as que vão ter investimento e infraestrutura? 

Porque tudo isso que eles colocam no programa deles são soluções fragmentadas para problemas pontuais. 

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