Justiça

Julgamento de ações climáticas no STF abre caminho para uma bem-vinda reação do Judiciário

Em momento histórico, a Corte pode consolidar entendimento sobre o papel do Poder Executivo para a política sobre meio ambiente e clima

Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF
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1Há pouco mais de três anos, a legislação e a política socioambiental brasileiras vêm sendo atacadas quase que semanalmente por parte do governo federal e seus aliados no Legislativo, operando retrocessos profundos, em especial na matéria climática e de combate ao desmatamento da Amazônia.

Antes destes ataques, o Brasil vinha participando das negociações internacionais sobre a crise do clima e da Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas e imprimia certa reorganização das políticas domésticas para construção da governança climática. Agora, os ataques à legislação e os retrocessos da política socioambiental brasileira têm levado o País a uma direção oposta ao avanço alcançado nas últimas décadas neste tema.

Nesse sentido, a matéria ambiental e climática não poderia ficar de fora de mecanismos de freios e contrapesos. Assim, nos últimos anos foi possível uma mobilização de organizações sociais, junto aos partidos políticos, que conseguiu pautar no Supremo Tribunal Federal uma série de ações para rever as medidas do governo federal que impedem não só a proteção ambiental, mas o direito à terra e ao território.

Em 30 de março, algumas dessas ações estarão em pauta do plenário do Supremo. As ações de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental são: a ADPF 760, que trata do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal; a ADPF 735, que se relaciona com a Operação Verde Brasil 2, de responsabilidade do Conselho Nacional da Amazônia Legal; e a ADPF 651, que tem como objeto o Fundo Nacional do Meio Ambiente. Nas ações diretas de inconstitucionalidade e de omissão temos a ADO 54, sobre a omissão no combate ao desmatamento; a ADO 59, sobre o Fundo Amazônia; a ADI 6148, que questiona a Resolução Conama 491/2018 sobre qualidade do ar; e a ADI 6808, relativa a Medida Provisória 1040/2021 (hoje Lei nº 14.195/2021), sobre licenciamento ambiental.

Trata-se de um momento histórico em que o Supremo analisará como o governo federal planeja políticas públicas para a proteção ambiental e quais os limites da discricionariedade da administração pública para a garantia do direito ao meio ambiente. Ou seja, o STF analisará a governança ambiental a partir de parâmetros constitucionais e poderá de maneira emblemática consolidar entendimento sobre o papel do Poder Executivo no tema de meio ambiente e clima.

De modo exemplificativo, abordaremos neste artigo duas das ações pautadas para 30 de março, a ADPF nº 760, que trata de política pública de controle do desmatamento, e a ADO 59, que trata de financiamento de iniciativas de gestão e manejo de florestas.

Após 18 anos de implementação, o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia é objeto do julgamento da ADPF 760, sob relatoria da ministra Cármen Lúcia. A ação foi proposta após o drástico corte orçamentário e a redução da atuação do Plano – que vinha ocorrendo desde 2013, mas teve 2019 como ápice – sem contar com nenhuma contraposição ou alternativa do governo federal. O PPCDAM contribuiu, de acordo com relatório da organização de direitos humanos Terra de Direitos, para relevante redução nas taxas de desmatamento.

No decorrer da 1ª fase de implementação do Plano, foi fundamental o investimento na criação de áreas protegidas, especialmente Unidades de Conservação, com a homologação de 25 milhões de hectares – o que representou ampliação de cerca de 70% na extensão territorial de UCs na região Amazônica.

Atualmente, são mais de 350 Unidades de Conservação na Amazônia Legal, cobrindo área de 1.179.414 km², o que corresponde a 28,59% do território. Apenas no período de vigência da 1ª fase do PPCDAm (2004-2008), foram criadas 81 UCs na Amazônia Legal, o que contribuiu consideravelmente para a proteção da Floresta Amazônica e dos territórios de povos e comunidades tradicionais que lá habitam.

As Unidades de Conservação, em especial na modalidade Reserva Extrativista, são destinadas – conforme previsão de seus marcos normativos – a grupos específicos, e sua gestão deve visar contemplar os modos de viver, criar e fazer de grupos étnicos. Portanto, o investimento em Unidades de Conservação por meio do PPCDAm é fundamental para a garantia do direito ao território. E dentro dos territórios inclui-se a sociobiodiversidade ameaçada pelo desmatamento e pelas queimadas, que aumentaram nos últimos três anos.

De acordo com a pesquisa da Terra de Direitos com base em dados do Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia, ao comparar a taxa de desmatamento de 2004 (ano com maior índice:  27.772 km² de floresta desmatada) com a taxa de desmatamento de 2012 (ano de menor índice: 4.571 km² de floresta devastada), pode-se afirmar que no período de nove anos a redução na taxa anual de desmatamento foi equivalente a 83,54%. A taxa registrada em 2012 foi a que mais se aproximou da meta estipulada para o ano de 2020 na Política Nacional sobre Mudança do Clima, que foi de 3.925 km². De todo modo, a depender da gestão política, o modelo de governança ambiental se mostrou eficiente e funcionou de acordo com o disposto na Constituição Federal. Assim, é possível afirmar que a omissão na execução do PPCDAM representa grave impacto às florestas.

Outra ação em destaque no julgamento é a ADO 59, para trata sobre a obrigação do governo federal de tomar as medidas administrativas necessárias para reativar o funcionamento do Fundo Amazônia, permitindo a captação de recursos por: órgãos e entidades da administração pública direta e indireta (federal e estadual e municipal); fundações de direito privado (incluídas as fundações de apoio); associações civis; empresas privadas; cooperativas; governo central do país beneficiário e instituições multilaterais. A ação foi necessária diante da edição do Decreto nº 10.223, de 5 de fevereiro de 2020, que extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia, paralisando concretamente a aprovação de novos projetos e excluindo a participação da sociedade civil organizada.

Esse processo teve grande impacto nas políticas e ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento financiadas pelo Fundo Amazônia por meio de projetos não reembolsáveis, via recursos recebidos em sua maioria por doações da Noruega e da Alemanha. Desde sua criação, em 2008, o Fundo já apoiou 102 projetos para distintos setores com um desembolso, até agora, de mais de 1,4 bilhão de reais[1], mas a previsão orçamentária da doação era muito maior que isso e a liberação das parcelas pelos doadores é condicionada à redução das emissões de gases de efeito estufa oriundas do desmatamento, ou seja, para receber os repasses é preciso comprovar a redução do desmatamento na Amazônia. O atual cenário é que os repasses foram paralisados com os retrocessos promovidos pelo Palácio do Planalto e pelo Ministério do Meio Ambiente no combate ao desmatamento, com taxas recordes de aumento da degradação das florestas, além da tentativa de mudanças na governança do fundo.

É importante destacar que muitas atividades produtivas de caráter comunitário e com uso sustentável de recursos naturais da sociobiodiversidade da Amazônia foram apoiadas pelo Fundo Amazônia ao longo desse período, gerando renda para as comunidades tradicionais, fortalecendo a proteção da floresta em pé e mostrando que a conservação da floresta passa pelo reconhecimento e pela valorização dos modos de vida de povos indígenas e comunidades tradicionais em seus territórios.

Nesse sentido, os casos da ADPF 760 e da ADO 59 representam a demanda presente na governança ambiental e climática brasileira por instrumentos estruturantes de políticas públicas para a proteção das florestas, mas também de desenvolvimento socioambiental na Amazônia brasileira com geração de renda e garantia do direito à terra e ao território.

[1] Disponível em http://www.fundoamazonia.gov.br/pt/fundo-amazonia/doacoes/

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